sábado, 26 de maio de 2012

Voltando à Avaliação de Desempenho

Voltando ao tema da Psicologia da Avaliação de Desempenho no Trabalho...


De modo geral, há três posturas muito comuns com relação à avaliação de desempenho que atrapalham sua investigação. E podemos dizer que todas elas nse diferenciam na posição tomada no âmbito da relação entre a descrição fidedigna do processo e as prescrições ou discursos oficiais sobre objetivos e características da Avaliação de Desempenho (AD).

Isto posto, o problema pode ser resumido de três modos:


1)Frequentemente tomamos explícita ou implicitamente o discurso institucional (de uma enmpresa ou de experts da área) que justifica a existência da AD como o processo efetivamente realizado.O que significa, nesse caso, "tomar" as prescrições como descrição do processo? É aceitar a idéia geral de que o sistema funciona, ou deveria funcionar,da forma como foi concebido: primeiramente, as lideranças estabelecem indicadores de desempenho para suas equipes (metas, resultados, coportamentos desejados, etc) e, ao final, elas fornecem a sua avaliação sobre o desempenho real dos empregados, confrontando-o com os referidos indicadores. Dessa forma, assumimos de bom grado que os avaliadores simplesmente realizam o que o sistema pede: fornecem dados de desempenho sobre os empregados. Contudo, o que se diz de um processo é apenas um elemento que o compõe e, portanto, o esforço de compreensão não pode se resumir a esse nível da realidade. Por exemplo, não podemos compreender o que de fato é um determinado produto analisando apenas a propaganda que se faz dele, nem podemos aferir precisamente os objetivos de um político apenas estudando o seu discurso de campanha.
Como consequência de tal postura, não questionamos os resultados advindos de Avaliações de Desempenho e os utilizamos para todo e qualquer objetivo. Na psicologia isso tem importância fundamental, já que os os escores de desempenho são utilizados como variável dependente nas mais diversas formas de pesquisa (ex.: validação de instrumentos de seleção, avaliação de eficácia de treinamento).
Ex.: Em estudo sobre a relação de características medidas pelo Zulliger e Avaliação de Desempenho, realizado por Ferreira e Villemor-Amaral (2005), há apenas uma breve menção às dimensões de desempenho abordadas pelo instrumento de AD da empresa. Não há qualquer menção a características do sistema como um todo. Isso parece sugerir uma confiança na precisão das informações obtidas por meio da AD. Esse caso é bastante ilustrativo da importância de investigar sistemas de AD, pois os dados de validade preditiva do Zulliger dependem da validade do instrumento que mediu a variável dependente e, portanto, das informações obtidas mediante seu uso.


2)Outras vezes, não tomamos como certo o prescrito. Ao invés disso, identificamos incongruências entre prescrição e realidade, ou seja, percebemos certas discrepâncias entre o que se pretende alcançar e os resultados efetivos(ex.: os dez empregados de uma gerência com resultados idênticos e no topo da escala de avaliação). Contudo, ainda que percebamos o gap, voltamos nossa atenção para a análise de questões que não são essenciais para explicá-lo, embora sejam, de fato, importantes(qualidade dos instrumentos, “erros de percepção”, vieses, etc.). No exemplo citado imediatamente nos vem à mente a possibilidade de um "erro de leniência" e, ao aceitar imediatamente a hipótese, perdemos a oportunidade de compreender adequadamente o problema. Ademais, quando vislumbramos, ainda que de passagem, elementos essenciais da Avaliação de Desempenho, não lhes damos a devida atenção.
Ex.: Manuais como o de Robbins (livro bastante conhecido no Brasil) apontam como principais problemas do “mundo real” da avaliação de desempenho aquilo que o autor considera “erros": efeito halo, erros de leniência, viés de similaridade. Segue ainda na listagem mencionando o uso do processo com “propósitos políticos”. Embora explique de modo mais detalhado os três primeiros, deixa o último apenas na mera referência. As distorções deliberadas parecem alvos dignos apenas de condenação e não de investigação.
Em resumo, nesse caso o sujeito percebe que o processo não corre exatamente como no discurso, que os avaliadores nem sempre informam seu julgamento real sobre o desempenho do empregado. Porém, ao constatar ele toma dois caminhos: a) assume que o avaliador quer fazê-lo mas não consegue e aí atribui as discrepâncias a erros inadvertidos, ao instrumento, etc. b) reconhece que o avaliador não quer fazê-lo e aí não considera isso digno de investigação.

3)Finalmente há os casos em que percebemos a lacuna entre o processo ideal e o real e, ao fazê-lo, imediatamente condenamos os responsáveis pela sua existência.
Um exemplo claro dessa postura é o Dr. Deming que considera a Avaliação de Desempenho uma das “doenças fatais” da gestão.

Para melhor esclarecer a necessidade de mais investigações sobre a AD e também defender uma mudança em seu foco, vamos partir de algumas idéias gerais e relacionadas entre si.

1)Uma avaliação de desempenho necessariamente possui consequências relevantes para o empregado e para o avaliador. Neste sentido, podemos dizer que ela não é apenas um processo avaliativo mas integra um processo decisório mais amplo, para o qual, geralmente, mais informações são consideradas.

2)Os produtos concretos de uma avaliação de desempenho, ou seja, os escores de desempenho, são espécies de “compactados de significados” que podem refletir informações sobre diversos aspectos. De modo algum, podemos tomá-los a priori como uma simples resposta à pergunta: qual foi o desempenho deste trabalhador?

3)Se o escore não revela apenas informações sobre o que o avaliador considera ser o desempenho do empregado, decorre que avaliar desempenho não comporta apenas as atividades de percepção, interpretação, evocação e julgamento de informações sobre desempenho. O avaliador considera também a antecipação das consequências de uma avaliação: para si, para o empregado, para seu departamento, etc. Dito de outro modo, a atividade de atribuir um escore de desempenho implica a consideração de elementos do contexto em que a decisão de atribuir determinado escore efetivamente ocorre.

4)Sendo a Avaliação de Desempenho uma atividade que envolve, ao mesmo tempo, recordar eventos passados (ex.: que metas este empregado atingiu) e considerar probabilidades subjetivas construídas a partir da leitura de informações do contexto de avaliação (ex.: o que acontecerá a ele se eu realmente avaliar da forma que vejo) o resultado concreto reflete não necessariamente o que o avaliador considera ser o desempenho do empregado, mas principalmente as estratégias que esse avaliador empregou na SITUAÇÃO concreta de avaliar alguém. Portanto, as discrepâncias encontradas são, em grande parte, estratégias deliberadas e não “erros”.

5)Como todo processo em organizações de trabalho, a Avaliação de Desempenho envolve diferentes agentes e múltiplos interesses. À medida que os dados daí extraídos são utilizados em diversos fins (identificação de necessidades de treinamento, decisões sobre salário e carreira, fundamentação de casos judiciais, etc.)e alteram consideravelmente a dinâmica grupal e organizacional, resulta ingênuo pensarmos que o único interesse em jogo é o de aferir precisamente o desempenho de alguém.


Finalmente, uma questão essencial que atravéssa todas aquelas acima pode ser formulada da seguinte maneira:


O conhecido modelo de DeNisi decreve muito bem os processos cognitivos envolvidos na Avaliação e, portanto, é excelente para compreender como gestores captam, interpretam e julgam informações do trabalho de empregados com o objetivo de formular uma avaliaçao de seu desempenho. Contudo, o modelo assume que entre a formação dessa avaliação e a atribuição de escores não há tanta coisa pra se investigar. Pode-se dizer que é assumida (pelo menos implicitamente) a idéia de que a avaliação formulada na cabeça do avaliador será passada na íntegra para o papel, em forma de escores que a reflete de modo preciso. Mas é justamente no espaço entre a avaliação formada e a atribuição de escores que a investigação deve proceder, posto que este útlimo momento constitui uma decisão, para a qual as informações de contexto necessariamente serão tratadas e poderão afetar a precisão com que a avaliação será retratada no escore. É necessário então "abrir" o modelo precisamente nessa parte e integrar os resultados que já foram alcançados por estudos nesse âmbito. Dessa forma, alcançaremos uma compreensão mais completa do processo. E essa é premissa básica para que possamos estabelecer estratégias adequadas para garantir sistemas melhores.

Um comentário:

Leonardo Galvão disse...

É fato que há na AD muito mais em jogo do que o próprio desempenho, pois como já citado, temos um instrumento com recursos de poder,
estratégias deliberadas pelo avaliador, além destes o medo da demissão, o medo também dos avaliadores em passar uma avaliação desfavorável de seus subordinados e isso ser mal interpretado pela alta gerência.
Um autor do qual não me recordo o nome, uma vez disse que a AD é um desses encontros em que o gerente não consegue dormir na noite anterior e o empregado não consegue na noite seguinte ao encontro.