terça-feira, 4 de outubro de 2011

Avaliação de desempenho no Trabalho (Trecho de Artigo em Construção)

O trecho abaixo é um esboço de introdução de um artigo que ainda está em confecção, com partes adiantadas, outras atrasadas e algumas ainda confusas. O tema sempre me interessou, mas há cerca de dois anos tenho dedicado mais tempo ao mesmo. A idéia inicial era fazer uma série de pesquisas empíricas na realidade brasileira. Contudo, ao deparar com a escassez de nosso cenário, achei que seria importante realizar uma revisão e, principalmente, sugerir linhas de pesquisa que pudessem ajudar a compreender melhor a Avaliação de Desempenho, a construir uma visão mais completa e lúcida desse processo ao mesmo tempo complexo e pervasivo. É neste sentido que adianto aqui algumas das idéias e, principalmente, a estrutura geral do artigo. Espero que desperte o interesse em estudar e sobretudo pesquisar o tema.




Título: Avaliação de Desempenho no Trabalho: das Prescrições à Realidade

Introdução

A Avaliação de Desempenho (AD) é uma prática de gestão de Recursos Humanos cada vez mais presente em organizações de trabalho. Idealmente, a AD integra um processo mais amplo de Gestão do Desempenho o qual proporciona uma série de vantagens às organizações, grupos e empregados: viabiliza o feedback de desempenho para o trabalhador, aumenta sua motivação, contribui para o desenvolvimento de carreiras, ajuda a subsidiar as mais diversas decisões de gestão, entre outras.

Importa destacar que, a despeito dos benefícios prometidos, a AD vem sendo alvo de um crescente número de críticas às quais, muito amiúde, seguem-se consistentes demonstrações dos efeitos perversos de sua aplicação no trabalho (e.g. Murphy & Cleaveland, 1995; Poon, 2004; Bouskila-Yam & Kluger 2011). Ainda assim, o processo de avaliação parece gozar de um status positivo praticamente inquestionável entre profissionais e acadêmicos ligados à gestão (e.g. Service & Loudon, 2010). Na esteira da presunção de racionalidade das organizações e dos princípios do evidence-based management (e de "palavras de ordem" similares), as avaliações não apenas persistem como fica cada vez mais difícil imaginar uma organização que não faça uso dela. A sua virtual onipresença nas organizações de trabalho e, por outro lado, seus resultados manifestamente controversos tornam a AD um campo de estudo profícuo para diversas áreas de conhecimento e de atuação profissional.

O tema da avaliação de desempenho tem acompanhado a Psicologia das Organizações e do Trabalho desde seus primórdios e, a partir de então, vem sendo objeto de inúmeras investigações científicas, mais intensamente nos EUA e Europa. No Brasil, tal investimento parece não acontecer na mesma medida, posto que as publicações a esse respeito são escassas e não chegam a formar linhas minimamente consistentes de investigação.

Historicamente, as pesquisas que se referem ao processo de avaliação de desempenho giraram em torno de duas questões principais. Inicialmente, o foco esteve sobre a necessidade de construir e avaliar a qualidade de instrumentos de medida de desempenho. Aqui, autores como Cronbach e seus postulados sobre psicometria serviram de inspiração. Posteriormente, a partir das décadas de 70, e mais intensamente a partir da década de 80, inúmeros estudiosos se debruçaram sobre os tipos de “erros” de avaliação comumente realizados por parte de avaliadores acompanhando (efeito halo, viés de disponibilidade, heurísticas, etc.). Neste sentido, as pesquisas acompanharam o fervor e prestígio em torno das crescentes e robustas teorias sobre a cognição humana de modo geral.

Embora as duas questões acima enunciadas sejam distintas, podemos dizer que, de modo geral, os estudos que sobre elas se debruçaram apresentam, em certa medida, alguns aspectos em comum e relacionados entre si. Dito de outra maneira, as premissas e pressupostos dos quais eles partem são bastante semelhantes.

Em primeiro lugar, tais estudos parecem assumir como representativa da realidade a imagem do avaliador como um processador de informações passivo e isolado de seu contexto. Neste sentido, os princípios e leis básicas da cognição do ser humano médio (as quais são o objetivo último do programa experimental sobre a cognição humana, simbolizado principalmente por Kahneman e Tversky), parece ser facilmente aplicável ao contexto da AD. Segundo, implicitamente defendem a idéia de que o objetivo dos avaliadores neste processo é, em última instância, fornecer uma avaliação precisa do desempenho do empregado. Neste sentido, seu o avaliador busca observar, interpretar, recuperar, analisar e, finalmente, julgar criteriosamente as informações disponíveis a esse respeito. Em terceiro lugar tais estudos consideram erros inadvertidos as discrepâncias entre escores atribuídos e desempenho “real”. Erros cujos antecedentes só podem - naturalmente - ser encontrados na "falha" dos processos cognitivos requeridos no processo de avaliação. Em quarto lugar, parecem assumir que as informações em jogo são aquelas situadas exclusivamente no passado. Ao mesmo tempo, ignoram a importância das consequências das avaliações e, mais importante ainda, de como as consequências antecipadas pelo sujeito que avalia afetam seu processo avaliativo e, em última instância, decisório. Finalmente, apesar de muitos estudos reconhecerem de longa data a existência de distorções deliberadas seus autores parecem considerá-las um mero estorvo ao “bom” funcionamento do processo e, conseqüentemente, não apresentam utilidade à compreensão do comportamento do avaliador e da AD de modo geral.

Esta última observação sugere que as duas linhas de pesquisa acima mencionadas parecem tomar como realidade o que na verdade constitui o conjunto de orientações e prescrições relativas à AD e não propriamente uma descrição do que acontece de fato (um texto que ilustra essa postura é entitulado "the 'is' versus the 'should be': don't confuse them!"). E é precisamente nessas questões que residem as limitações de tais empreendimentos para a construção de um cenário amplo do processo, pois é apenas tomando como realidade o conjunto de prescrições a respeito da Avaliação de Desempenho (seus objetivos declarados, por exemplo) que podemos entender como fundamentais as questões relativas às medidas e aos “erros” de avaliação. Como defenderemos, há questões mais fundamentais à compreensão da AD.

As limitações das linhas de investigação acima mencionadas passam a ser cada vez mais reconhecidas a partir da década de 80, quando a idéia da avaliação de desempenho como um processo social complexo passa ganhar mais notoriedade. A partir daí, as distorções que há muito já eram reconhecidas como parte integrante do processo de avaliação de desempenho, passam a ser vistas como manifestações de comportamentos deliberados e não de erros inadvertidos. Cresce o reconhecimento de que os objetivos em jogo são muito mais numerosos e complexos, ao passo que acentua-se também o interesse nas relações que a AD tem com aspectos do contexto das organizações de trabalho. Neste caminho, à imagem do processador de informações acrescentam-se outras e abrem-se as possibilidades de investigação e, conseqüentemente, de inteligibilidade de aspectos e relações antes obscurecidas.

Apoiando-se sobre um robusto corpo de pesquisas o presente artigo sugere a ampliação do leque de questões relativas à AD e apresenta as justificativas para tal sugestão. Isto posto, estruturamos o presente artigo da seguinte forma. A primeira parte apresenta um resumo do conceito de desempenho, um breve histórico, as diferentes formas de avaliação nas organizações de trabalho, sua integração com outros subsistemas de Recursos Humanos e seus impactos para organizações e trabalhadores. Em seguida, analisamos a tradição dos estudos sobre AD, explicitando e discutindo as premissas e pressupostos que subjazem a maior parte desses estudos, trazendo à tona suas limitações. A partir daí apresentamos alternativas a essas premissas, possibilitando a formulação de questões de investigação distintas e permitindo a emergência de outros aspectos do processo, antes obscurecidos. Em terceiro lugar, analisaremos as diferentes perspectivas acerca do que podemos denominar genericamente “distorções deliberadas de avaliação” (Spence & Keeping, 2011) identificando pontos em comum e diferenças. Por último, enunciaremos algumas proposições de pesquisa relevantes para o contexto organizacional brasileiro em dois eixos principais a) aquelas que apontam para uma melhor compreensão do processo de AD em si mesmo e b) aquelas que apontam para a AD como objeto privilegiado para a pesquisa sobre outros aspectos organizacionais importantes (cultura organizacional, valores, normas organizacionais, dinâmicas de poder, etc.