quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Caro Professor

Antes da morte, o maior medo do homem é o esquecimento. Isso porque, pelo menos pra mim, o esquecimento é a morte propriamente dita. Vivemos a vida negando esta e combatendo aquele, pois embora a morte seja uma certeza, o esquecimento é apenas uma probabilidade (ainda que pujante).

Escrever livros e artigos são formas de contornar o esquecimento. Os escritos são elementos concretos da existência de alguém e, portanto, constituem sempre uma alternativa no tal combate. Frequentemente, contudo, autores de livros e artigos ficam na memória como meros personagens, sem grande significado pessoal (com boas exceções, é claro).

Por outro lado, existe a possibilidade de deixar marcas pessoais profundas nas vidas de outras pessoas; através de um convívio repleto de sentido, da transmissão de valores que seguirão adiante, de ensinamentos que transcendem também a vida daqueles que foram seus destinatários imediatos. E isso é uma conquista de poucos.

Tenho a plena certeza de que o Professor Paulo Fernandes, ainda que impotente frente à morte - como todos nós - superará o esquecimento. Durante sua vida (e não "carreira", vale salientar, posto que, em seu caso, vida e profissão dispensavam fronteiras claras) de professor, marcou a vida de muitos e deixou lições que, uma vez internalizadas, ultrapassarão a dimensão por ele diretamente afetada.

Pessoalmente, o professor foi responsável por minha escolha em seguir a Psicologia do Trabalho. Isso não é pouco e, tenho certeza, não fui o único. Felizmente, tive a chance de o dizer e agradecê-lo por isso. Além de fundamentar uma escolha tão importante, ele proporcionou um modelo de ética profissional, constituída pela simplicidade, honestidade, sensibilidade e por um compromisso constante com a formação profissional.

Última lembrança, estive em sua casa, entregando meu convite de formatura. Lembro dos discos de Jazz e de um amontoado de livros que representavam uma imediata dificuldade de organização, pela enorme quantidade, e de leitura, pelo comprometimento precoce de sua visão.

Por vezes o ouvi falar sobre seu livro, que tentaria resumir a sua contribuição para a psicologia, esta já patente em tantos trabalhos e tantos cursos ministrados, enfim, em tantas vidas tocadas. Livro que não veio. E a conversa soava a frustração. Caro professor, não se preocupe. O seu livro está escrito e será repassado. E por uma simples razão. Ele precisa.
Um grande abraço.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Avaliação de desempenho no Trabalho (Trecho de Artigo em Construção)

O trecho abaixo é um esboço de introdução de um artigo que ainda está em confecção, com partes adiantadas, outras atrasadas e algumas ainda confusas. O tema sempre me interessou, mas há cerca de dois anos tenho dedicado mais tempo ao mesmo. A idéia inicial era fazer uma série de pesquisas empíricas na realidade brasileira. Contudo, ao deparar com a escassez de nosso cenário, achei que seria importante realizar uma revisão e, principalmente, sugerir linhas de pesquisa que pudessem ajudar a compreender melhor a Avaliação de Desempenho, a construir uma visão mais completa e lúcida desse processo ao mesmo tempo complexo e pervasivo. É neste sentido que adianto aqui algumas das idéias e, principalmente, a estrutura geral do artigo. Espero que desperte o interesse em estudar e sobretudo pesquisar o tema.




Título: Avaliação de Desempenho no Trabalho: das Prescrições à Realidade

Introdução

A Avaliação de Desempenho (AD) é uma prática de gestão de Recursos Humanos cada vez mais presente em organizações de trabalho. Idealmente, a AD integra um processo mais amplo de Gestão do Desempenho o qual proporciona uma série de vantagens às organizações, grupos e empregados: viabiliza o feedback de desempenho para o trabalhador, aumenta sua motivação, contribui para o desenvolvimento de carreiras, ajuda a subsidiar as mais diversas decisões de gestão, entre outras.

Importa destacar que, a despeito dos benefícios prometidos, a AD vem sendo alvo de um crescente número de críticas às quais, muito amiúde, seguem-se consistentes demonstrações dos efeitos perversos de sua aplicação no trabalho (e.g. Murphy & Cleaveland, 1995; Poon, 2004; Bouskila-Yam & Kluger 2011). Ainda assim, o processo de avaliação parece gozar de um status positivo praticamente inquestionável entre profissionais e acadêmicos ligados à gestão (e.g. Service & Loudon, 2010). Na esteira da presunção de racionalidade das organizações e dos princípios do evidence-based management (e de "palavras de ordem" similares), as avaliações não apenas persistem como fica cada vez mais difícil imaginar uma organização que não faça uso dela. A sua virtual onipresença nas organizações de trabalho e, por outro lado, seus resultados manifestamente controversos tornam a AD um campo de estudo profícuo para diversas áreas de conhecimento e de atuação profissional.

O tema da avaliação de desempenho tem acompanhado a Psicologia das Organizações e do Trabalho desde seus primórdios e, a partir de então, vem sendo objeto de inúmeras investigações científicas, mais intensamente nos EUA e Europa. No Brasil, tal investimento parece não acontecer na mesma medida, posto que as publicações a esse respeito são escassas e não chegam a formar linhas minimamente consistentes de investigação.

Historicamente, as pesquisas que se referem ao processo de avaliação de desempenho giraram em torno de duas questões principais. Inicialmente, o foco esteve sobre a necessidade de construir e avaliar a qualidade de instrumentos de medida de desempenho. Aqui, autores como Cronbach e seus postulados sobre psicometria serviram de inspiração. Posteriormente, a partir das décadas de 70, e mais intensamente a partir da década de 80, inúmeros estudiosos se debruçaram sobre os tipos de “erros” de avaliação comumente realizados por parte de avaliadores acompanhando (efeito halo, viés de disponibilidade, heurísticas, etc.). Neste sentido, as pesquisas acompanharam o fervor e prestígio em torno das crescentes e robustas teorias sobre a cognição humana de modo geral.

Embora as duas questões acima enunciadas sejam distintas, podemos dizer que, de modo geral, os estudos que sobre elas se debruçaram apresentam, em certa medida, alguns aspectos em comum e relacionados entre si. Dito de outra maneira, as premissas e pressupostos dos quais eles partem são bastante semelhantes.

Em primeiro lugar, tais estudos parecem assumir como representativa da realidade a imagem do avaliador como um processador de informações passivo e isolado de seu contexto. Neste sentido, os princípios e leis básicas da cognição do ser humano médio (as quais são o objetivo último do programa experimental sobre a cognição humana, simbolizado principalmente por Kahneman e Tversky), parece ser facilmente aplicável ao contexto da AD. Segundo, implicitamente defendem a idéia de que o objetivo dos avaliadores neste processo é, em última instância, fornecer uma avaliação precisa do desempenho do empregado. Neste sentido, seu o avaliador busca observar, interpretar, recuperar, analisar e, finalmente, julgar criteriosamente as informações disponíveis a esse respeito. Em terceiro lugar tais estudos consideram erros inadvertidos as discrepâncias entre escores atribuídos e desempenho “real”. Erros cujos antecedentes só podem - naturalmente - ser encontrados na "falha" dos processos cognitivos requeridos no processo de avaliação. Em quarto lugar, parecem assumir que as informações em jogo são aquelas situadas exclusivamente no passado. Ao mesmo tempo, ignoram a importância das consequências das avaliações e, mais importante ainda, de como as consequências antecipadas pelo sujeito que avalia afetam seu processo avaliativo e, em última instância, decisório. Finalmente, apesar de muitos estudos reconhecerem de longa data a existência de distorções deliberadas seus autores parecem considerá-las um mero estorvo ao “bom” funcionamento do processo e, conseqüentemente, não apresentam utilidade à compreensão do comportamento do avaliador e da AD de modo geral.

Esta última observação sugere que as duas linhas de pesquisa acima mencionadas parecem tomar como realidade o que na verdade constitui o conjunto de orientações e prescrições relativas à AD e não propriamente uma descrição do que acontece de fato (um texto que ilustra essa postura é entitulado "the 'is' versus the 'should be': don't confuse them!"). E é precisamente nessas questões que residem as limitações de tais empreendimentos para a construção de um cenário amplo do processo, pois é apenas tomando como realidade o conjunto de prescrições a respeito da Avaliação de Desempenho (seus objetivos declarados, por exemplo) que podemos entender como fundamentais as questões relativas às medidas e aos “erros” de avaliação. Como defenderemos, há questões mais fundamentais à compreensão da AD.

As limitações das linhas de investigação acima mencionadas passam a ser cada vez mais reconhecidas a partir da década de 80, quando a idéia da avaliação de desempenho como um processo social complexo passa ganhar mais notoriedade. A partir daí, as distorções que há muito já eram reconhecidas como parte integrante do processo de avaliação de desempenho, passam a ser vistas como manifestações de comportamentos deliberados e não de erros inadvertidos. Cresce o reconhecimento de que os objetivos em jogo são muito mais numerosos e complexos, ao passo que acentua-se também o interesse nas relações que a AD tem com aspectos do contexto das organizações de trabalho. Neste caminho, à imagem do processador de informações acrescentam-se outras e abrem-se as possibilidades de investigação e, conseqüentemente, de inteligibilidade de aspectos e relações antes obscurecidas.

Apoiando-se sobre um robusto corpo de pesquisas o presente artigo sugere a ampliação do leque de questões relativas à AD e apresenta as justificativas para tal sugestão. Isto posto, estruturamos o presente artigo da seguinte forma. A primeira parte apresenta um resumo do conceito de desempenho, um breve histórico, as diferentes formas de avaliação nas organizações de trabalho, sua integração com outros subsistemas de Recursos Humanos e seus impactos para organizações e trabalhadores. Em seguida, analisamos a tradição dos estudos sobre AD, explicitando e discutindo as premissas e pressupostos que subjazem a maior parte desses estudos, trazendo à tona suas limitações. A partir daí apresentamos alternativas a essas premissas, possibilitando a formulação de questões de investigação distintas e permitindo a emergência de outros aspectos do processo, antes obscurecidos. Em terceiro lugar, analisaremos as diferentes perspectivas acerca do que podemos denominar genericamente “distorções deliberadas de avaliação” (Spence & Keeping, 2011) identificando pontos em comum e diferenças. Por último, enunciaremos algumas proposições de pesquisa relevantes para o contexto organizacional brasileiro em dois eixos principais a) aquelas que apontam para uma melhor compreensão do processo de AD em si mesmo e b) aquelas que apontam para a AD como objeto privilegiado para a pesquisa sobre outros aspectos organizacionais importantes (cultura organizacional, valores, normas organizacionais, dinâmicas de poder, etc.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Lançamento de Livro em Portugal - Psicologia do Trabalho


Lançamento do Livro Psicologia do Trabalho, das Organizações e dos Recursos Humanos em Coimbra, Portugal.

Aos interessados, acessar o link abaixo. Vocês encontrarão o sumário e o prefácio.

Veja o Livro

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Gerações



Mafalda: Pero papá, por qué no me explicas?
Pai: Porque sos chica, y ustedes los chicos no entienden las cosas de nosotros los grandes.
Mafalda: Ok. Pero prometeme una cosa papá.
Pai: Qué?
Mafalda: Que cuando yo sea grande no me vas a salir con que nosotros los grandes no entendemos las cosas de ustedes los ancianos.


As gerações são hoje um assunto recorrente. O tema está no domínio público. É daqueles assuntos sobre os quais “todo mundo tem algo a dizer”, afinal de contas o lance das gerações “está na cara”; está aí pra qualquer um ver. Ao mesmo tempo em que se tornou moda nas revistas de alta circulação, as gerações entraram no discurso da gestão.

Obviamente, gerações, coortes e outros construtos sociológicos não são novidade. Não é desse tipo de abordagem que falarei aqui, mas de perspectivas pseudo-científicas que deturpam o conceito, simplificando-o, utilizando-o para além do que é possível, etc. Neste sentido, tenho algumas ressalvas ao uso de conceitos como “geração” no mundo do trabalho, expediente comum em revistas especializadas. Mais especificamente, tenho ressalvas ao uso da “geração” como categoria explicativa para problemas específicos nas relações de trabalho.

Em primeiro lugar falar em gerações é efetuar uma categorização e, como tal, tem suas vantagens e suas limitações. Acontece que, como tentarei discutir adiante, o conceito de geração, por ser bastante amplo, não é adequado para o uso em níveis mais específicos de análise. Isto é precisamente o que vem sendo feito.

Segundo, a literatura corrente sobre gerações (aqui não nos referimos a, por exemplo, Manheim) apresenta pouca robustez empírica e uma sub-teorização excessiva: grande parte daquilo que se produz sobre o tema são traduções acríticas e reproduções simplificadas ao melhor estilo business magazine. Alguns dos textos e artigos relacionados ao tema, buscando transparecer uma certa prudência e solidez teórica, alegam que falar em gerações não significa falar simplesmente de faixas etárias, mas de contextos partilhados, de história comum, etc. Contudo, a complexidade do tema é logo em seguida esquecida e esses mesmos textos utilizam períodos históricos delimitados e consideram contextos absolutamente irrelevantes para falar da população em análise. Ademais, partem do pressuposto de que “contexto” e “eventos históricos” são fatos que simplesmente estão “lá fora”, quando na verdade, aquilo que dizemos da "história" está em permanente construção e reconstrução e que este processo permanente reflete as contradições e tensões da contemporaneidade. Ou seja, a história muda, os significados de eventos históricos mudam e as formas com que delineamos contextos também mudam.

Finalmente, um grave problema é o fato de que o uso da "leitura geracional" não se limita a macro-análises, nível para o qual a mesma parece ser mais adequada. Não. O conceito de geração tem se apresentado como mais um recurso para análises ao nível individual e grupal no contexto de trabalho. Ou seja, a geração vira mais um conceito instrumental, mais uma ferramenta do gestor “antenado” nas boas práticas. E isso tem implicações potencialmente negativas para a intervenção no trabalho.

Falar em geração é criar conceitos e, portanto, efetuar recortes na realidade. Trata-se de um dos processos mais básicos na ciência. Conceituar é essencialmente captar parte da realidade e, ao mesmo tempo, reduzir sua complexidade para torná-la inteligível. Essa é a principal utilidade da teoria, dos conceitos, pois nos permitem falar sobre um mundo extremamente complexo, fazer predições sobre eventos relevantes, etc. Portanto, o conceito ou construto (ex.: Geração X) deve, para ser relevante, refletir de modo representativo uma realidade e, consequentemente, ter uma utilidade prática. Para isso, é necessário que o mesmo atenda alguns requisitos básicos.

Em primeiro lugar, é necessário que o conceito faça referência a um padrão minimamente homogêneo de fenômenos. Ou seja, é preciso que a parte da realidade (no caso o grupo de pessoas) que estou identificando com um conceito (Geração X) apresente minimamente um padrão identificável de características inter-relacionadas. O que o conceito de Gerações nos permite tornar inteligível? Conseguimos de fato ver nos membros da “geração Y” um padrão identificável? Em relação a que aspectos? Quão intensas são essas semelhanças? A que nível de abstração precisamos chegar para que um padrão de fato possa emergir?

Um outro requisito fundamental para conceitos científicos é a possibilidade de demonstrarmos o seu poder discriminativo. Um conceito é aceitável se me permite discriminar padrões distintos de fenômenos. Por exemplo, um conceito como Geração X não tem sentido se seus membros não diferem significativamente daqueles que eu considero da Geração Y. Um exemplo mais claro: não faz sentido falar em Raça como conceito biológico se a estrutura genética (seu fundamento biológico) de um Branco é tão semelhante à de um Índio como à de um outro Branco (não à toa, as pessoas que ainda vêem sentido falar em raças, mudaram a base do conceito - da biologia para a cultura). De modo análogo, não faz sentido falar em geração Baby Boomers e Geração Y se um membro do primeiro grupo tem, por exemplo, valores tão semelhantes aos de membros de seu grupo como aos de membros do segundo grupo. Dito de outro modo, porque falar de grupos geracionais diferentes se a diversidade - ou semelhança - de seus membros não é função direta da época em que eles nasceram?

Finalmente, um outro requisito básico para a utilidade de um conceito é a propriedade do mesmo permitir fazer predições. Neste sentido, ao identificar que um sujeito que pertence a um determinado grupo (Geração X, por exemplo) qual a probabilidade de que o mesmo apresente aquelas características que compõem o padrão de fenômenos que supostamente justificam o uso do conceito. O conceito geracional não nos permite fazer predições ao nível individual ou grupal. À despeito disso, é assim que ele vem sendo utilizado no discurso da gestão.

Quando se fala em gerações, geralmente são estabelecidos períodos delimitados a partir de eventos relevantes do contexto histórico. Como mencionamos acima, o pressuposto assumido no “recorte geracional” é de que o contexto (social, cultural, econômico, político, etc.) influenciará um grupo de pessoas de modo a desenvolver características mais ou menos homogêneas. Ou seja, o contexto partilhado deverá “produzir” nas pessoas alguns traços comuns, traços esses que refletem o "espírito da época".

Um olhar sob a lente das gerações, portanto, chama a atenção do analista para a influência dos processos de socialização (principalmente primária) na formação de valores e crenças partilhadas entre os membros de uma geração.

Chegamos de fato à segunda questão levantada inicialmente: aquela referente à subteorização e às adaptações simplistas de modelos externos à nossa realidade. Vejamos: são considerados baby boomers, por exemplo, aqueles nascidos entre as décadas de 40 e 60 (os detalhes precisos em relação aos marcos inicial e final desse período variam conforme o autor do texto/artigo/livro). Como sinalizamos mais acima, o que marca uma geração é o contexto em que seus integrantes viveram.

Então vamos lá: quais são as referências geralmente utilizadas para falar das características dos baby boomers? Assassinato de JFK, Martin Luther King, Homem na Lua, Watergate, Crise do Petróleo, a conjuntura da Guerra Fria, Joseph McCarthy, Women´s Liberation Front, liberdade sexual, movimento hippie, a televisão. Ok. Essas são as referências geralmente usadas no Brasil pra falar em Baby Boomers. Agora vejamos: Quem no Brasil dispunha de televisão no anos 60 e 70? Provavelmente nem 5% do número nos EUA ou Europa. Quem vivenciou o caso Watergate? Quem viveu a guerra do Vietnã? Podemos falar em liberação sexual da mesma forma que americanos e europeus? Onde estão referenciados os efeitos da ditadura de Getulio ou do gorverno militar nas esferas econômica e cultural? Onde entra a influência do milagre econômico ou a força dos movimentos de esquerda desde então? Os “cinqüenta anos em cinco” de Juscelino? Os movimentos de guerrilha patrocinados por Cuba?

Enquanto os americanos viam o homem chegar à lua ainda vivíamos quase todos no campo e sem televisão. Como achar que podemos atribuir as mesmas características ao baby boomer brasileiro se ele vivenciou um contexto absolutamente diverso? Mas muitos autores importam inadvertidamente o “perfil psicológico” do baby boomer americano para o Brasileiro.

Um outro fato marcante utilizado como referência para avaliar as características de gerações é a Segunda Grande Guerra. EUA e Europa consideram o contexto da Segunda Guerra uma grande influência na formação de seus habitantes jovens. O Baby Boomer, nascido logo após a guerra “viveu em um contexto de reconstrução”, na estruturação do estado de bem-estar social, do pleno emprego.

Mas e no Brasil? Que período foi esse? Que marca a Segunda Guerra nos trouxe? Não seria mais relevante usarmos como referência os quinze anos de Estado Novo (1930-1945), a Intentona Comunista de 1935, os 50 anos em 5, etc.? Podemos falar em espírito de reconstrução do mundo em nosso “pós-guerra”? Seria sensato dizer que, como europeus e americanos, estávamos caminhando para o Welfare-State?

Enfim, se o contexto é a base da diferenciação dos grupos de gerações, não deveríamos analisar o que foi marcante no nosso, o que teve impacto suficiente para moldar visões de mundo e valores aqui no Brasil? Feita essa análise, será que contaríamos com os mesmos pontos de corte pra diferenciar uma geração de outra? Ora, se vamos elaborar categorias (já demasiado vagas) que as façamos próximas da realidade concreta brasileira.

Mas tudo bem. Suponhamos que tivéssemos à mão uma categorização que reflete a evolução histórica brasileira. Estaremos assumindo o pressuposto da leitura geracional, ou seja, de que aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais do período em que a pessoa nasce e se desenvolve tem grande influência sobre seus valores, seu modo de agir, de ver o mundo, de encarar a relação de trabalho, etc. de modo que podemos encontrar pontos comuns, que perpassam a geração. De certa forma assumimos que faz sentido referir-se a um grupo etário como se falássemos de um todo mais ou menos homogêneo.

Estaremos verdadeiramente assumindo o que? Que, por exemplo, a forma com que as pessoas de uma mesma geração enxergam a relação entre empregado e organização é, de algum modo, semelhante pois foi construída a partir de um contexto comum. Isso quer dizer que podemos atribuir pontos de encontro entre o filho do cortador de cana no interior de Pernambuco, o filho do advogado catarinense, o filho do zelador de um prédio em São Paulo, o filho de um traficante de Vitória, o filho de uma família de doze filhos na região metropolitana de Manaus, a filha de um fazendeiro do interior de Goiás, ao filho único de mãe solteira criado por avós, a filha adotada de um casal de homossexuais, o filho de imigrantes japoneses no maranhão, o filho de ninguém que vive nas ruas desde que aprendeu a andar, o filho de um pai-de-santo do sul da Bahia, a filha de um policial militar do Rio de Janeiro, o filho de muçulmanos fundamentalistas residentes em foz do iguaçu, o filho de um casal de psicólogos de Pirinópolis, a filha de um pastor evangélico do subúrbio de Santos, o filho do pescador em Tremembé, a filha de pai norueguês e mãe paraibana, o filho de um metalúrgico sindicalizado do ABC paulista, a filha de um médico cirurgião, o filho de um senador da república, a filha de uma socialite emergente carioca, o filho de atores de teatro curitibanos?

Em que medida é possível falar em padrões de fenômenos emergindo de tamanha diversidade? Mais uma vez, a que nível de abstração precisamos chegar para que falar em semelhanças? Ou será que os especialistas em “gerações” do mundo corporativo não estão se referindo a uma categoria extraída da realidade total, mas, ao contrário, estão falando de uma visão idealizada dos membros de uma – ainda reduzida – classe média urbana de alta escolaridade? Esse parece ser o quadro mais específico a que se referem as revistas ao falar em geração Y, por exemplo. Não simplesmente às pessoas nascidas a partir de 1980, por exemplo.

Finalmente, chegamos à última questão, referente à aplicação dos conceitos de gerações em níveis de análise onde os mesmos fazem pouco sentido. Tal questão relaciona-se com a entrada do tema como mais uma moda no mundo do trabalho. Quando um determinado assunto vira moda organizacional temos dois problemas inevitáveis:
- A sensação de necessidade imediata de sua aplicação;
- A sensação de necessidade de sua aplicação em qualquer situação;

Para o gestor, em particular, leitura geracional pode “cair como uma luva” em dois aspectos. Em primeiro lugar, ela o instrumentaliza. Ela oferece uma gama de “conhecimentos” que o habilita a lidar com as “diferentes necessidades, expectativas, valores” que os membros de uma determinada geração carregam consigo. Ou seja, a deturpação do uso do conceito de gerações, fornece ao gestor uma imagem estereotipada de seus empregados. O estereótipo o isenta, em certa medida, de compreender a unicidade e complexidade de cada um de seus empregados.

Em segundo lugar, a leitura geracional pode oferecer uma explicação fácil e inteligível para os problemas organizacionais. É muito importante para o gestor ter um diagnóstico para os problemas que parece não compreender. Em seu formato mais rasteiro e simplificado, termos como “conflito de gerações” oferece justamente isso.

Finalmente, ela oferece uma explicação que nas entrelinhas nos diz: “o trabalho em si, a sua forma de gerir, a organização do trabalho, não estão na raiz do problema. Na verdade temos um problema social, em escala maior, que obviamente manifesta-se também no trabalho, o conflito de gerações, etc”. O conflito de gerações externaliza os problemas do trabalho. Tudo o que a organização precisa fazer é, de modo benevolente, lidar com o problema que "herdou" da sociedade lá fora.

Dessa forma, as relações de exploração, a cisão entre concepção e execução, as condições físicas de trabalho, as relações de poder presentes na equipe, a falta de reconhecimento, o descompasso entre responsabilidade e autonomia, o absurdo da avaliação injusta, e outros problemas comuns às nossas organizações não precisam ser investigados.

Essas são apenas algumas das implicações da forma como tratamos o assunto hoje. Certamente existem outras.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

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