segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Em terra de olho quem tem cego...errei!

“se eles (os pilotos) tivessem tomado mais tempo para analisar os instrumentos do motor ficaria claro que as indicações relativas ao motor No.2 estavam normais e que o motor No. 1 estava se comportando erraticamente(Relatório AAIB - No. 4/90, Seção 2.1.1.1 - sobre o acidente aéreo em Kegworth, 1989)".

“A análise (de acidentes) é usualmente conduzida para chegar à primeira explicação plausível que aparecer à vista. Se uma explicação que refere-se à parte tecnológica do sistema não pode ser encontrada, a categoria 'erro humano' normalmente é empregada. Apenas quando a análise é levada além deste ponto, é que percebemos que a explicação em termos de 'erro humano' é insuficiente" (Hollnagel, 1983 – Position Paper for NATO Conference)

Erro Humano. Em 1983, durante uma conferência da OTAN, Erik Hollnagel, Psicólogo com vasta experiência na indústria, defendeu o abandono do conceito de erro humano. Certamente, a audiência que o ouvia falar tomou ares de perplexidade. Depois disso, e durante toda a sua carreira, ele defendeu sua tese através de inúmeros trabalhos, tanto no âmbito acadêmico como no profissional. Durante uma entrevista concedida à Namahn, em 2009, o Professor reforçou alguns dos argumentos que serviram de base para sua controversa “exortação” de quase três décadas atrás.

Em primeiro lugar, Hollnagel alega que erro humano é um conceito ambíguo. Ele pode significar várias coisas, tanto no mundo acadêmico quanto no mundo profissional. Portanto, alega o professor, do ponto de vista científico, um termo que pode propiciar dois ou três sentidos – ou seja, que tem inúmeros referentes – não nos ajuda.

Segundo, "erro humano" tem sido utilizado de diversas maneiras equívocas. O conceito tem sido usado principalmente como uma explicação rápida e plausível para acidentes e falhas, bem como tem servido de pano de fundo para responsabilização e culpabilização de “responsáveis” por tais eventos. Portanto, erro humano tem sido um conceito pouco útil na prevenção de acidentes futuros e, por outro lado, "bem" utilizado para fundamentar sistemas de conseqüências relacionados a eventos passados.

A primeira razão apontada pelo professor, não constitui, a meu ver, argumento cabal para o abandono de qualquer conceito. Por outro lado, é certo que a ambigüidade que dificulta a utilidade do mesmo está intimamente relacionada com a segunda razão, apontada por Hollnagel, para sugerir seu abandono.

Como acabamos de dizer, o erro humano tem sido útil para tomar medidas relativas ao que passou e pouco útil no sentido de prevenir a ocorrência de eventos indesejados, falhas e acidentes. Em grande parte porque tem sido um grande conceito guarda-chuva, englobando todo tipo de evento, inclusive aqueles que, por nenhum critério razoável, poderia ser definido como erro. Por outro lado, ele não tem ajudado muito na prevenção de acidentes. Mas por que, então, erro humano parece um conceito tão atrativo a ponto de servir como explicação de inúmeros acidentes?

Claro que qualquer explicação a essa pergunta oferecerá verdades parciais. Mas não custa refletir sobre as diversas possibilidades.

Em primeiro lugar, é interessante entender o ambiente criado por um evento indesejado, suponhamos, um acidente. Perdas de produção, pessoas feridas, comunidades afetadas, mortes, são ocorrências que geram enormes pressões sobre as pessoas responsáveis (ex.: gestores de uma unidade fabril). O ambiente que se segue a eventos como estes, são de tensão, insegurança, perplexidade, etc. A imprensa poderá estar envolvida, os sindicatos, os acionistas, os diretores, empregados e familiares, a comunidade de modo geral; todos demandam a tomada de medidas. Obviamente a dimensão do tal evento (seus impactos, suas implicações) ajudará a compor proporcionalmente esse cenário de balbúrdia. Independente de qualquer coisa, nesses casos não nos é possível supor um ambiente tranqüilo e que, tampouco, ofereça espaço para amplas discussões racionais, profundas. E é precisamente neste tipo de contexto que usualmente temos que investigar acidentes, e tomar decisões relativas ao mesmo.

Ainda sobre o contexto é importante destacar que acidentes representam, em maior ou menor grau, uma sensação de perda de controle: algo não funcionou como o previsto, algo diferente (inicialmente incompreensível) se passou. O acidente relembra à organização a dimensão intangível do processo, assim como uma doença nos lembra nossa eterna vulnerabilidade, nossa mortalidade. E da mesma forma como nós podemos negar a morte – a qual, independentemente da postura com a qual a encaramos, está sempre à nossa sombra – uma organização optará, quase sempre, por não reconhecer as lacunas e zonas cinza existentes, jamais poderá reconhecer que o sistema é demasiado complexo e que, inexoravelmente, acidentes acontecerão.

E essa negação certamente não se deve a desvios de caráter (mentiras, omissões, etc.) de seus gestores, mas por que tal reconhecimento teria conseqüências práticas para o futuro imediato da organização. Uma organização é, por definição, um empreendimento racional. E isso implica: controle e predição. Reconhecer a intangibilidade do sistema não é desejável e, muitas vezes, sequer possível.

A organização deve, sobretudo, mostrar-se no comando das ações e não como vítimas passivas de forças aleatórias. A aparência de controle é uma estratégia muito comum de apresentação institucional e as empresas com maior flutuação em seus resultados (oscilação de produtividade, acidentes, etc.) fazem mais uso desta estratégia, pois precisam fazê-lo. Qual acionista investirá seu dinheiro em um navio sem leme? Que diretor manterá gestores que não controlam seu ambiente? Que parecem não saber o que acontecerá daqui a um mês?

Obviamente, essa imagem forte e combativa será tão maior quanto mais rapidamente as partes interessadas identifiquem o que aconteceu. A perplexidade instaurada pelo acidente, as pressões originadas em diversos grupos de stakeholders e a necessidade de gerir a imagem da empresa são todos vetores que, juntos, aumentarão a pressão por respostas rápidas: o que aconteceu, como aconteceu, por que aconteceu e o que será feito para que não aconteça mais.

A rapidez com que o diagnóstico deve chegar é, portanto, de extrema importância. Ela constitui uma força que constrange a busca incessante por compreender a fundo o problema e a avaliação de muitas alternativas de explicação. O diagnóstico, independente de sua precisão, desempenha uma função tranqüilizadora, e ao mesmo tempo projeta uma imagem de controle e domínio sobre o processo; é uma retomada de rédeas, a supressão, pelo menos aparente, dos indícios de intangibilidade do sistema.

Isso deve-se, em parte, ao fato de que um diagnóstico carrega implícita uma terapêutica. Se temos febre, vômito e dores de cabeça estamos, digamos, lidando com eventos indesejados e sendo levados a um campo de incertezas. Um diagnóstico médico, num primeiro momento, me retira do campo do desconhecido e, num segundo momento, me indica as ações necessárias para recobrar a “normalidade” e restaurar o equilíbrio ideal do sistema. A função primária do diagnóstico é nos retirar da esfera do desconhecido e da falta de controle. Neste sentido nós reprisamos a forma com que durante muito tempo lidamos com o desconhecido: a peste era trazida por estrangeiros, as secas eram fruto de feitiçarias, e assim por diante. Ainda que as respostas encontradas não tivessem a menor conexão com a realidade, elas eram tranqüilizadoras. As terapêuticas ficavam claras com o diagnóstico: os estrangeiros eram expulsos, as "feiticeiras" encontradas e queimadas, etc.

Como fica claro, o contexto de que falamos é de tensão, de pressão por respostas rápidas e por respostas que possibilitem a retomada do controle. A primeira razão que encontramos para explicar a insistente recorrência ao conceito de erro humano na explicação de acidentes é justamente o fato de "erro humano" ser uma resposta que atende os requisitos acima.


Como sugerimos, a busca pela resposta não é de todo um empreendimento imparcial, focado na verdade última dos fatos. É interessante que o diagnóstico seja rápido, mas que ao mesmo tempo apresente possibilidades de ações, ou seja, que implique uma terapêutica. Enfim, a resposta ideal para a organização – que está submetida às mais diversas pressões e que precisa demonstrar controle – é aquela que implique ações claramente definidas. O tag “erro humano” é uma das respostas que apresenta essas possibilidades. Uma vez detectado como causa do evento indesejado, ações bem concretas podem ser tomadas: identificada a falta de qualificação, pode-se treinar o dito cujo; identificada a “negligência” ou a “falta de comprometimento” pode-se punir, transferir, demitir o trabalhador “responsável” pelo “erro”.

O segundo fator relaciona-se intimamente com o primeiro; quando a organização “encontra” erro humano e o identifica como causa do evento, tanto o problema quanto sua solução são individualizados: "a causa torna-se o sujeito que tocou por último no equipamento". Ao mesmo tempo, isentamos a organização, sua estratégia de treinamentos, o estabelecimento equivocado de prioridades de manutenção, o design do sistema e suas contradições inerentes, a organização do trabalho, os mecanismos de controle falhos e uma série de outros componentes os quais, caso fossem relacionados na linha causal, demandariam mudanças muito mais profundas e lentas.

Uma terceira razão tem também a ver com gestão de impressões; “reconhecer o fator humano”, “compreender e considerar o lado humano do trabalho” são formas de se apresentar que alinham a organização a um discurso amplamente aceito no atual contexto. Buscar compreender a ação humana na organização é projetar uma imagem de modernidade à organização mesmo que, paradoxalmente, o interesse pelo componente humano tenha, em realidade, servido a propósitos muito menos nobres quando o assunto é acidente e falha de sistema.

Uma quarta razão diz respeito à cisão entre trabalho prescrito e trabalho real. Numa investigação, engenheiros, gestores e técnicos deparam-se com essa discrepância, ela mesma sistematicamente ignorada quando seus efeitos são positivos. Na visão dos designers do sistema, as orientações de trabalho, padrões de execução e artefatos similares, teoricamente regem – e deveriam reger – a organização. Contudo, é impossível que "cubram" todos os aspectos do trabalho, até porque eles muitas vezes se sobrepõem, se contradizem e, muito amiúde, colocam o empregado em situações de escolha conflitante: “se eu resolver cumprir a rigor esse procedimento de segurança não poderei cumprir um outro padrão operacional, nem outro de gestão, nem poderei atender as demandas de minha gerência a tempo”. No dia-a-dia, os trabalhadores fazem escolhas entre ser mais preciso ou ser mais rápido. Essas adaptações empreendidas pelo humano em seu trabalho exigem de sua criatividade e, apesar de constituirem a base do funcionamento do sistema, praticamente só vêm a pauta quando as mesmas estão presentes em um evento de falha e acidente.

Quando investigadores se debruçam sobre o que o trabalhador de fato faz, é inevitável que ele encontre inconsistências entre o que é prescrito e o que é real. E essa discrepância - cujos ajustamentos constituem possivelmente a maior contribuição do empregado para "fazer o sistema rodar" - é chamada erro. Assim, numa análise a posteriori e com a linha causal bem clara (algo difícil de visualizar na situação concreta do momento do evento) toma-se o prescrito pelo real. E neste sentido o “erro” é detectado. Mas, por vezes, o que é detectado não é, nem de longe, uma variabilidade no desempenho, mas a forma como as coisas são feitas. As escolhas efetuadas, que ora sacrificam a perfeição, ora a agilidade, são escolhas aprendidas no trabalho e que certamente funcionaram em inúmeras ocasiões. São ajustes que permitem responder a demandas ambíguas, contraditórias e opacas do dia-a-dia.

Portanto, a explicação em termos de erro humano é, na maior parte das vezes, uma visão imprecisa acerca do acidente. E quando o diagnóstico é errado, ou superficial, os resultados indesejados (problemas de saúde) continuarão a ocorrer, ou poderão ser agravados. Uma consulta superficial, que não investigou a fundo o histórico e as condições gerais do paciente, e escolhe a primeira solução para o problema não contribuirá para a sua solução - para o restabelecimento ou minimização do sofrimento do paciente. Isso porque o diagnóstico não reflete os mecanismos manifestos e latentes envolvidos na geração do resultado indesejado, da enfermidade.

A explicação nomeada erro humano continuará a ser uma opção atraente para analistas. Ela será sempre possível já que o “erro” estará sempre presente (se assumirmos o conceito de erro como algo fora da prescrição), será sempre uma resposta rápida, não implicará grandes mudanças e sempre proporcionará uma retomada, ainda que em aparência, do controle.

Se o interesse último daqueles que analisam o acidente fosse unicamente a verdade última, a compreensão profunda das causas, dos mecanismos – manifestos e latentes – envolvidos na produção do evento indesejado, certamente o termo “erro humano” seria empregado menos vezes como sua causa principal. E, precisamente por essa razão, teríamos análises que de fato ajudariam na prevenção de acidentes e na proteção contra seus efeitos.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Políticas de Avaliação e Avaliações Políticas

Em outra ocasião, postei aqui um texto que discutia as teorias implícitas que avaliadores possuíam (consciente ou incoscientemente) em relação a aptidões humanas bem como a influência destas no resultado das avaliações que os mesmos faziam do desempenho de outrem. Ao final do texto, deu-se a entender que este (um viés bem específico) é apenas um aspecto a afetar o processo Avaliação de Desempenho (AD) nas empresas. Mas há muito mais coisas entre o céu e a terra...

De fato, uma boa parte dos estudos ancorados na psicologia buscou identificar os desvios, as distorções, os enviezamentos relacionados ao ato de avaliar desempenho. O estudo a que me referi naquele texto encaixa-se precisamente nessa linha de investigação. Mas dentro deste escopo podemos ainda mencionar inúmeros outros estudos, que identificaram tipos diferentes de distorções de percepção, analisaram o impacto de fatores emocionais na avaliação, etc. Ainda nesta linha, uma vasta literatura refere a questões como efeito halo, profecia auto-realizável, percepção seletiva, defesa perceptiva, etc. Fatores como estes seriam os grandes vilões da avaliação, obstáculos à “correta” apreciação do desempenho laboral. Além dos estudos que aplicam conceitos clássicos de psicologia da percepção, um outro grande conjunto de estudos de campo e experimentos abordaram problemas relativos à mensuração de instrumentos de medida de desempenho, efeito do treinamento de avaliadores no processo, etc. etc. etc.

Todos estes estudos visam, de uma maneira ou de outra, um objetivo principal: identificar formas de garantir um processo de avaliação preciso, exato. Portanto, identificar fatores que “distorcem” a percepção do avaliador, avaliar as qualidades psicométricas das escalas de medida, comparar eficácia de diferentes métodos de avaliação, entre outras, são todas formas de garantir um processo que produza informações exatas sobre o desempenho dos trabalhadores. A meta da avaliação deve ser, portanto, a precisão. Ok.

De modo geral, pode-se dizer que o componente político, inevitável nas organizações – e, por conseguinte, inevitável nas avaliações de desempenho – tem sido deixado ao lado, ou, quando muito, tomado como mais uma das inúmeras fontes de distorção. Por componente político, entendamos tudo aquilo que envolva comportamentos/ações direcionadas à proteção de interesses próprios e de grupos específicos, que buscam o controle sobre recursos, a manutenção da legitimidade, a garantia da sobrevivência profissional e grupal, etc. Este é obviamente um conceito que abrange uma multiplicidade de fenômenos.

Quando analisamos criteriosamente os estudos tradicionais uma constatação é inevitável: a de que não é possível erradicar completamente as distorções, que não existe tal coisa como um sistema absolutamente objetivo. Quando analisamos a dimensão política no processo de AD, uma constatação ainda mais importante pode ser feita: que a precisão, embora desejada arduamente pelos profissionais de RH, nem sempre é o principal objetivo dos atores envolvidos neste processo. Desenvolveremos um pouco mais detalhadamente estas duas constatações, com maior atenção para a segunda.

A extinção completa do viés e da distorção na avaliação não apenas constitui uma meta irreal, mas, precisamente por essa razão, tem consequências negativas: quando se assume a precisão absoluta como objetivo final do processo, direcionamos esforços de pesquisadores e profissionais de RH à busca de soluções para questões que, afinal, são secundárias (qualidade de instrumentos e sistemas, identificação de viés cognitivo, etc.).

A segunda constatação, embora relacionada à primeira, é a meu ver, ainda mais importante.

Um olhar realista sobre qualquer processo de AD constata que a precisão não é – e, por vezes, de fato não deveria ser – o principal objetivo que gestores buscam atingir ao conduzir uma AD. Assumirmos essa falácia, ou seja, acreditar que os gestores buscam a precisão acima de qualquer outra coisa nos faz chamar “erro” o que na maioria das vezes é um comportamento deliberado e estratégico por parte do avaliador/gestor.

De modo geral, os gestores demandam instrumentos de gestão que possuam uma certa margem de manobra, uma certa flexibilidade que o permita utilizar as ferramentas à sua disposição a favor de seus interesses e/ou dos interesses de seu grupo. Não à toa, temos sistemas de AD flexíveis o suficiente para permitir que avaliadores façam ajustes de modo que suas avaliações ganhem as feições necessárias a seus objetivos, imediatos ou futuros. Vejamos então alguns exemplos daquilo que alguns chamariam “erro” de avaliação mas que podem, de modo mais realista e pragmático, ser vistos como comportamentos estratégicos.

Com muita freqüência, avaliadores tendem a fornecer uma avaliação de um empregado que superestima o seu real desempenho (quando falamos “real” não supomos que exista tal coisa, mas que existe o “real” desempenho tal como acredita o próprio avaliador). A literatura indica que a inflação de escores de desempenho é uma prática mais comum que imaginamos. Mas então que “erro” é esse?

Na verdade, muitas razões podem explicar um acontecimento desta natureza. O avaliador pode fazê-lo para maximizar as chances de seu empregado conseguir um aumento, haja vista a usual conexão, nas organizações, entre desempenho e remuneração/progressão na carreira. Assim ele pode usar o processo como ferramenta motivacional individual ou grupal. Pode também fazê-lo com o objetivo de evitar um confronto futuro com um determinado empregado, poupando-se do desgaste e garantindo o apoio do empregado para futuras empreitadas. Pode ainda inflar uma avaliação com o receio em relação ao fato de que a avaliação fará parte do histórico do empregado. Para proteger alguém, reconhecidamente eficaz outrora, mas que teve um mau desempenho por razões pessoais e, assim, assegurar que o empregado volte a seu patamar de desempenho. Um outro motivo diz respeito à gestão de impressões: em última instância, o desempenho (ruim ou bom) de um empregado é considerado como responsabilidade de seu gestor. Dessa maneira, inflar resultados poderia parecer uma boa maneira de estar "bem na fita". E poderíamos ainda dar vários outros exemplos.

Por outro lado, temos as avaliações excessivamente negativas. Por que um gestor “daria uma nota” menor que aquela que ele mesmo acredita que o empregado merece? Ora, assim como a inflação de escores, uma má avaliação pode servir a muitos propósitos estratégicos. Pode parecer aos gestor uma forma de punir um empregado ou um ato isolado de um subordinado. Pode configurar-se uma persuasiva mensagem, de que o empregado não é mais bem-vindo naquela área. Pode ser também uma forma de construir um respaldo para uma futura demissão, estratégia esta cada vez mais comum na medida em que as demissões freqüentemente tornam-se alvo de processos judiciais. Paradoxalmente, os registros de desempenho parecem ser encarados como uma aferição satisfatoriamente objetiva do desempenho, servindo assim de respaldo para o referido fim.

Enfim, as estratégias enumeradas apontam para um fato que merece destaque: muito freqüentemente, um gestor não deixará que a busca pela exatidão o atrapalhe na consecução de seus objetivos. O trabalho do gestor consiste em atender uma série de demandas simultâneas e contraditórias e responder a pressões em diferentes direções para que possa realizar seu trabalho e sobreviver na função (cortar custos, motivar empregados, conseguir apoio e recursos, fazer alianças, garantir legitimidade, etc). A AD pode parecer mais um meio de conseguir o que pretende, principalmente junto a seus empregados. Por outro lado, mas em sentido semelhante, cumprir a norma da exatidão pode configurar-se um obstáculo indesejável. Neste sentido, a conformidade ao critério da precisão nas avaliações, objetivo declarado da organização formal, pode parecer ao gestor um tanto limitador...castrador.

Dito de outro modo, a AD não é um empreendimento focado no passado – como a visão pautada na precisão parece sugerir – mas principalmente no futuro.

As avaliações têm conseqüências para empregados e gestores, servem de insumo para outros sistemas e têm impacto sobre a carreira do empregado, sobre o clima do grupo e, portanto, sobre os resultados da organização. Logo, as avaliações influenciam o futuro da organização, das equipes de trabalho e de seus líderes.

Portanto, a pergunta que mais comumente o avaliador faz a si mesmo não é exatamente uma consulta a eventos passados, como “qual foi exatamente o desempenho deste ou daquele empregado?”, mas uma projeção dos cenários futuros decorrentes de suas decisões, como “quais os resultados possíveis de fazer uma avaliação precisa (ou imprecisa – para mais ou para menos)?” ou “o que acontecerá se eu avaliar este empregado como eu de fato o percebo?”, ou ainda “quais serão os espólios de minha avaliação?”. Obviamente, aqui estamos falando de um jogo muito mais complexo do que julgam muitos especialistas. Um xadrez com muitas peças, certamente.

Reconhecer o componente político/estratégico presente nas Avaliações de Desempenho é, portanto, um passo necessário na busca de alternativas para seu melhor uso. Negá-lo ou subestimá-lo nos fará lutar contra moinhos de vento e, por conseqüência, nos impedirá de evoluir no processo.

Importa ainda ressaltar que o reconhecimento da existência deste componente não deveria ser acompanhado de julgamentos moralistas. Seria, em otras palavras, pararmos de falar em “erros” e passarmos falar em “má fé”. Precisamos entender que essa é uma realidade e que o componente político pode ser, de fato, funcional, importante em determinadas circunstâncias. Por outro lado, o reconhecimento de sua existência deve sim ser acompanhado da consciência de seus potenciais efeitos negativos.