quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Quando o resultado da avaliação nos fala mais sobre o avaliador

Em texto anterior, postado aqui, foram discutidas as implicações práticas das concepções dos gerentes em relação aos trabalhadores em geral. Essa discussão apoiou-se em alguns pressupostos fundamentais:

• As pessoas têm concepções tácitas relativamente estáveis acerca da natureza humana e do comportamento humano (ex.: hipóteses sobre o que motiva pessoas a fazer algo);
• Essas concepções podem ser “positivas” (o homem trabalha por prazer; realiza-se através do trabalho; busca o constante desenvolvimento) ou “negativas” (o trabalhador trabalha pelo salário; busca fazer o mínimo necessário, etc.) e são, essencialmente, implícitas;
• Tais concepções ou teorias, assumidas tacitamente por gestores, influenciam seu estilo de gestão;
• Essas concepções podem ser identificadas e mensuradas através de procedimentos de investigação.

Dito isto, passo a falar de um estudo com o qual me deparei recentemente e que tem relação forte com essa temática.

O artigo ao qual me refiro (Heslin, Latham & Walle, 2005; disponível gratuitamente na internet) relata o resultado de quatro experimentos que buscaram identificar o impacto das “teorias implícitas” na avaliação de desempenho.

Antes de passar aos resultados, importa esclarecer o que, para nosso propósito, constituem as teorias implícitas:

As teorias implícitas são um conjunto articulado de construções mentais que qualquer indivíduo, leigo ou investigador, pode produzir acerca dos atributos pessoais (aptidões, habilidades, personalidade, etc.)”

O estudo a que me refitro segue uma linha consistente na literatura da área, e especifica o foco da análise na distinção entre Incremental Theory e Entity theory. Estas são duas teorias implícitas acerca da natureza humana que podem ser resumidas da seguinte forma:

- Indivíduos que assumem uma “entity theory” concebem atributos pessoais (ex. inteligência) como características relativamente estáveis, fixas.
- Indivíduos que assumem uma “incremental theory” concebem atributos pessoais como maleáveis, passíveis de mudança.

O objetivo da pesquisa foi identificar como essas teorias – certamente assumidas de forma tácita em diferentes graus por todos nós – afetam o julgamento que gestores fazem do desempenho de empregados, ou seja, como elas afetam o processo de avaliação do desempenho laboral.

O primeiro experimento foi realizado com 82 gestores.

Em primeiro lugar, os gestores preencheram questionários que buscaram identificar em que medida os pressupostos dos participantes alinhavam-se à entity (atributos pessoais são estáveis, fixos) ou à incremental theory (atributos pessoais são maleáveis, mutáveis).

Em seguida, foi-lhes apresentado um vídeo com eventos onde um empregado demonstrava desempenho fraco (especificamente em habilidades de negociação). Em seguida o vídeo mostrou dois episódios onde o mesmo empregado demonstrava boas habilidades de negociação. Os gestores avaliaram o desempenho do empregado do vídeo em ambas as situações. O resultado foi o seguinte:

• Com relação à avaliação dos primeiros episódios (mostrando mau desempenho), os escores de desempenho atribuídos pelos gestores não variaram em função das teorias implícitas assumidas pelos mesmos. Contudo, em relação à avaliação dos episódios seguintes (de demonstração de boa performance) verificou-se que os gestores alinhados aos pressupostos da “incremental theory” reconheceram melhor o aumento de desempenho que aqueles gestores alinhados à “entity theory”.

Ou seja, gestores que acreditam que os atributos pessoais são maleáveis reconheceram de maneira mais precisa a alteração no comportamento/desempenho do empregado do vídeo, enquanto os gestores cuja concepção aproxima-se da “entity theory” ignoraram de forma mais expressiva tal mudança, atribuindo escores mais consistentes com suas avaliações iniciais.


O segundo experimento utilizou o mesmo vídeo. Contudo a ordem foi invertida: os episódios de baixa performance foram mostrados por último. O objetivo foi verificar se as teorias implícitas afetam de alguma forma o reconhecimento, por parte de gestores, de baixo desempenho após observação de episódios de alto desempenho do mesmo empregado. O resultado foi o seguinte:

• Novamente foi identificado que alguns gestores reconhecem a mudança negativa no desempenho mais do que outros. Mais precisamente, os gestores com pressupostos consistentes com a “incremental theory” reconheceram de forma mais consistente a mudança no desempenho, conferindo avaliações mais negativas nos episódios de baixa performance do empregado do vídeo.

De maneira geral, os autores concluem que, quando comparados a gestores alinhados à “entity theory”, aqueles alinhados à “incremental theory” parecem mais inclinados a interpretar as informações disponíveis no ambiente e utilizá-las para sua avaliação. Em contrapartida, gestores alinhados à “entity theory”, nesse caso, parecem fortemente influenciados pelas primeiras impressões formadas na avaliação e, nesse sentido, tendem a negligenciar as informações subseqüentes relacionadas ao desempenho do empregado.

Os resultados dos outros dois experimentos relatados apenas reforçam e refinam aqueles encontrados nos dois primeiros e contribuem para a sustentação das hipóteses iniciais quanto à influência das teorias implícitas na avaliação de desempenho.

Tais resultados ajudam a compor um vasto campo de pesquisa que vem reunindo de forma sistemática resultados empíricos que demonstram a influência de características do avaliador em processos de avaliação e julgamento.

As implicações para o mundo do trabalho são inúmeras. Os resultados aqui discutidos identificam mais um componente influente nos processos de avaliação de desempenho.

Em tese, a avaliação de desempenho busca retratar comportamentos e atitudes do empregado. Contudo, cientes da influência de características do avaliador (teorias implícitas, atitudes e personalidade) e ainda do lugar que o processo de avaliação de desempenho ocupa no sistema organizacional (sua função política, sua relação com demais processos, etc) temos a certeza de que, mais do que qualuqer coisa, temos ali informações que refletem aspectos outros que não o real desempenho do empregado. É importante ter isso em mente quando pretendemos fazer uso dos resultados desse processo.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Automação e Trabalho

O desenvolvimento tecnológico acentuado que verificamos nos pequenos fatos do cotidiano vem, há muito tempo, alterando significativamente o mundo do trabalho. Mais especificamente, a implementação de tecnologias avançadas têm modificado a forma como as pessoas se relacionam com suas atividades e com o trabalho, em geral.
Há um texto bastante interessante (Ironias da Automação, de 1983) onde pode-se verificar que o debate dentro desse tema é amplo e razoavelmente antigo. A autora do texto, Bainbridge, aponta-nos alguns dos paradoxos decorrentes do processo de automação de sistemas. Ironias, digamos assim, com os quais a indústria de processos tem de lidar embora nem sempre elas apareçam com fácil inteligibilidade.
É bem verdade que o texto tem mais de duas décadas. Claro está que o conhecimento relativo à automação de sistemas percorreu um longo caminho de acertos e erros, agregando uma série de procedimentos que tornaram o “casamento” homem-máquina um pouco mais tranqüilo. Pode-se dizer, com certeza, que temos hoje sistemas muito mais seguros que há duas décadas.
Contudo, algumas das “ironias” apontadas pela autora ultrapassam as décadas pois retratam o que está na essência dos problemas enfrentados pela automação de sistemas de risco. Ademais, as ironias ilustram os problemas enfrentados quando encara-se a automação como panacéia para todos os problemas da indústria.
Com grande certeza, pode-se dizer que a automação trouxe enormes benefícios para a indústria: otimizou processos, aumentou a segurança das pessoas e dos equipamentos, instituiu vantagens ergonômicas para trabalhadores, etc.
Vista assim sob essa perspectiva, não faria muito sentido falar em ironias relacionadas com a automação. Contudo, na base da visão utópica da automação estão paradoxos. Principalmente quando assumimos que onde a automação goza de status de solução última, está a associação do trabalhador ao erro e à ineficiência.
Bainbridge afirma que a necessidade de não depender da capacidade dos operadores está na base da motivação em automatizar sistemas (ou partes significativas destes). Contudo, ao buscar a solução para certos problemas, o processo de automação introduz outros (de natureza distinta) que representam ameaças à confiabilidade do sistema.

De fato, a primeira – e mais básica – ironia é apontada pela autora:
- Ao mesmo tempo em que os sistemas são automatizados para evitar a dependência na eficácia (duvidosa) do operador, a este último é dada a tarefa de supervisionar e monitorar as falhas desses mesmos sistemas. Ou seja, o designer do sistema que busca eliminar o operador do mesmo, confere a este último o papel (impossível) de árbitro deste.

Uma segunda ironia parece mais sutil:
- Ao tentar evitar um erro operacional, a automação dos sistemas aumenta a probabilidade de erros de design, os quais são consideravelmente mais complexos para solucionar.

Uma outra ainda diz respeito ao desenvolvimento da habilidades e conhecimentos do operador.
- Com a automação, o nível de conhecimento requerido para operar o sistema aumenta significativamente. Ora, o conhecimento acerca do processo e as habilidades envolvidas na operação são construídas a partir de longa experiência, de constante feedback de suas atividades. A automação, contudo, impõe sérias dificuldades ao processo de construção desse saber. Ou seja, ao mesmo tempo em que a automação requer mais conhecimento por parte do operador, impõe dificuldades para o desenvolvimento do mesmo. Neste sentido, aumenta-se consideravelmente a necessidade de treinamento e de simuladores de alta precisão para que o operador tenha condição de (e, principalmente, sinta-se apto a) intervir sobre o sistema quando necessário.

De forma geral, as observações de Bainbridge nos revelam o quanto a automação, quando pensada negligenciando o componente humano de seu sistema, pode ter efeitos danosos. A visão simplista e negativa do trabalhador que subjaz grande parte das aspirações utópicas da automação, como epítome do progresso humano, pode trazer conseqüências graves para o trabalho.
Se por um lado a automação permite a redução do esforço físico, por outro pode ser também fonte de adoecimento do operador do sistema, a quem é dada uma tarefa absolutamente entediante e penosamente crítica, de grande responsabilidade.
Ao mesmo tempo em que diminui-se a exposição do trabalhador a situações de risco e condições severas de trabalho, impõe uma carga de trabalho mental, a qual pode ser tão severa e perigosa.
Finalmente, se a automação por um lado implementa melhorias no processos tornando-os mais eficazes, ela pode precarizar as relações de trabalho e aprofundar a lacuna entre concepção e execução do trabalho, raiz de muitos dos problemas que as organizações enfrentam.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Liderança e Saúde do Trabalhador

O tempo tem sido curto ultimamente. Em breve devo atualizar o blog com novos textos. Nesse ínterim, deixo aqui o link para uma interessante matéria sobre liderança e seu impacto sobre o bem estar dos trabalhadores.

TEXTO

sábado, 17 de outubro de 2009

Gênero e trabalho

Com razoável frequência tomamos conhecimento de casos de preconceito, assédio, e discriminação no trabalho. O gênero, a cor, idade e a orientação sexual são algumas das características pessoais que geralmente estão presentes nesses casos.

Para ajudar a compreender muitas dessas histórias a noção de estereotipagem é importante.

Apesar da péssima fama, o estereótipo é resultante do (ou pelo menos apóia-se sobre o) processo natural de conhecer. O processo de construção de conhecimento humano pressupõe a criação de categorias relativamente estáveis compostas de certas de características.

Para conhecer é essencial que criemos padrões abstratos e identifiquemos suas correspondências na realidade. Assim podemos lidar com a complexidade do real: ora associamos mais elementos a um categoria, ora modificamos ou criamos uma categoria para incorporação de elementos novos, desconhecidos.

O problema acontece quando tornamos rígidas as nossas categorias conceituais. Tal fato pode servir a diversos propósitos. A rigidez de uma categoria está na base da formação do estereótipo.

Mais especificamente, o problema começa a surgir quando formamos idéias acerca de um determinado grupo de pessoas (mulheres, médicos, homossexuais, bombeiros, etc.) bastante simplificados. Boa parte dos estereótipos que construímos são repletos de aspectos negativos e funcionam como matrizes identitárias.

Contudo, a essência problemática do estereótipo está precisamente que no fato de que nos utilizamos dele – esse esquema cognitivo disfuncional – como fonte primordial para análise da realidade social.

Ou seja, as consequências são profundamente negativas quando resolvemos economizar esforços cognitivos e acreditar que, por exemplo, conhecemos uma pessoa em sua plenitude apenas pelo fato desta pertencer a uma determinada categoria (Ex.: gênero, grupo profissional, etc.).

No exemplo acima o que acontece é que eu atribuo automaticamente a uma pessoa as características que julgo constituir a essência do grupo ao qual ela pertence. Para piorar, essa atribuição passa a influenciar a minha interpretação acerca dos atos de um integrante de determinado grupo. Geralmente essa influência passa despercebida e acredito que minha interpretação é isenta de qualquer viés.

Um exemplo: Um sujeito acredita que advogados são, em geral, "oportunistas”. Essa crença é uma das colunas de sustentação do estereótipo que o tal sujeito construiu em relação a esse grupo/categoria. Para que isso faça sentido, projeto uma aura de homogeneidade sobre um grupo de pessoas (Advogados) que, na realidade, é absolutamente complexo e diverso. Ao conhecer um advogado ele tende a perceber o que há de “oportunismo” em suas ações. E quem procura...acha.
Um dos estereótipos mais conhecidos é o de gênero. Desde cedo aprendemos que mulheres “funcionam” de um jeito e homens “funcionam” de outro. Aprendemos que é “normal” que uma mulher seja assim e que é normal que um homem seja “assado”. Essas idéias estão fortemente presentes e ilustradas no dia-a-dia de qualquer organização de trabalho.



São muitos os estudos que evidenciam a desigualdade entre homens e mulheres no trabalho. Apresento aqui alguns dos resultados sintetizados por York et al (2008):

- Em 1988, Buttner e Rosen verificaram que uma população de bancários (em atividade de empréstimo e financiamento) atribuíam mais a homens características de personalidade associadas ao conceito de empreendedorismo.

- No mesmo ano, um estudo de Dobbins mostrou que um grupo de avaliadores com estereótipos tradicionais de gênero forneciam avaliações de desempenho menos precisas para mulheres do que um outro grupo de avaliadores.

- Em 1993, um outro estudo mostrou que os escores de desempenho eram significativamente menores para mulheres grávidas.

- Snipes, em 1998, encontrou que as percepções de recrutadores acerca do futuro desempenho do candidato (a um emprego) eram mais favoráveis a homens que a mulheres

- Um outro estudo, em 2005, demonstrou que mulheres eram consideradas, por membros de suas equipes, menos competentes e menos importantes para as decisões do grupo. Ademais, eram vistas com menos frequência como líderes.

Outros inúmeros estudos poderiam ser mencionados. Obviamente, não podemos atribuir à estereotipagem a responsabilidade pela existência das desigualdades entre homens e mulheres. Contudo, é seguro pensar que o estereótipo é não apenas uma expressão da desigualdade, mas um importante elemento na perpetuação da mesma.

Em outro texto aqui nesse blog eu mencionei um estudo realizado no Brasil sobre a formação dos executivos. Nele, os autores destacam a narrativa estereotipada e limitada que constrói o “ser executivo”.

Assim, os jovens pretendentes a essas posições de destaque no mundo corporativo terminam por incorporar essa narrativa e traduzí-la em comportamento.

A pretendente do sexo feminino, em particular, sofre duplamente.

Primeiro poqrque precisa (nisso ela não difere do homem) conformar-se a um modelo pre-concebido. Isso exige uma “engenharia comportamental” complexa e muito pouco tranquila. Às custas de leituras dos “Quem mexeu no meu queijo” e das “Você SA’s” do mercado, forjam uma identidade profissional que nem sempre são congruentes com seus valores, crenças e atitudes. Desse processo resulta um repertório limitado de comportamentos que refletem as características tradicionalmente associadas aos líderes e executivos de sucesso.

Segundo porque, por mais que tente, nem sempre suas ações são interpretadas da mesma forma que as mesmas ações feitas por um homem. Ao tentar conformar-se ao modelo estabelecido - fonte da narrativa sobre o sucesso empresarial - suas ações são interpretadas sob as lentes do estereótipo tradicional de gênero. Sob essas lentes o observador espera certos comportamentos de mulheres e de homens. Logo, os parâmetros de interpretação também são diferentes.

Aqui copio as conclusões de um estudo de 2004 segundo o qual “quando mulheres agem assertivamente (característica essencial do “líder de sucesso”) são vistas como agressivas; homens esperam reciprocidade de outros homens, mas das mulheres espera-se que sejam altruístas; Homens agem em função de sua auto-promoção e fazem suas conquistas serem notadas por todos, mas quando uma mulher faz o mesmo ela é vista como problemática”.

A despeito das muitas tentativas de trabalhar positivamente as questões de gênero nas organizações, elas persistem no dia-a-dia, traduzida nas micro-relações entre trabalhadores e alimentadas por estereótipos negativos. A ilusão de que a mesma será devidamente equacionada através de canetadas - a exemplo da lei sancionada neste ano por Obama - serve de pouco consolo. Por outro lado, a idéia de que as questões de gênero são apenas algo mais a ser "gerido" por empresários, diretores e executivos, parece também não somar muito e aparentemente adia a necessidade de uma discussão mais ampla.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Nelsinho Piquet: Um Enredo Comum


Desde criança Nelsinho sonhou em trabalhar para uma grande organização da qual seu pai é um dos símbolos. Entrar nesse mundo significaria continuar a fazer parte do meio onde cresceu, mas agora como protagonista. Queria ser como seu pai, um reconhecido talento na tal organização.

Desde muito cedo ele cultivou seu sonho e acreditou, como muitos outros, que esse sonho deveria ser perseguido a despeito de quaisquer obstáculos. Absorveu que a determinação e a perseverança são características marcantes daqueles que se sobressaíram (tal como seu pai). Aprendeu que quando a meta é alcançada o afago sempre vem, independente da forma como isso tenha sido feito. Viu, com seus próprios olhos, que a linha entre o certo e o errado é muito tênue nesse mundo e que o resultado alcançado, em geral, determina o lado para o qual a linha pende.

Há poucos meses o mundo, estupefato, assistia o desenrolar do caso Nelsinho Piquet. Curiosos, comentaristas, repórteres e “celebridades” opinavam sobre o assunto. As opiniões eram as mais diversas. O que havia de comum era um certo ar de indignação e surpresa nos discursos.

Se realizarmos uma análise mais aprofundada da história da Fórmula Um, vemos que não há elementos suficientes para justificar tamanha surpresa. Ora, a trama em que Nelsinho esteve envolvido é apenas o mais recente dos inúmeros enredos onde pilotos e dirigentes de Fórmula Um “jogaram sujo” para alcançar seus objetivos.

Ao que me parece, na Fórmula Um é comum que alguns princípios éticos – os quais, pelo menos em tese, regem muitos esportes, sejam violados. Na maior parte dos casos, ferir a ética pode ser um efeito colateral de pouca significância quando se consegue o que todos valorizam: a vitória, o resultado.

A cultura Fórmula Um, e do esporte de alto rendimento em geral, é a cultura do resultado e da competição a qualquer custo. São valorizados, essencialmente, o resultado alcançado, o desempenho excelente. Como se chega lá não é algo tão importante assim. Desde que...se chegue.

Toda cultura tem heróis. Eles são ícones/símbolos e encarnam aquilo que as pessoas de uma organização valorizam. Steve Jobs é modelo de liderança e competência pra Apple, Bill Gates o é para a Microsoft. As “estórias” sobre os heróis que são contadas e recontadas, na Fórmula Um como em qualquer organização, ajudam a construir a identidade do grupo e a deixar mais claro para seus membros o que é aceito e valorizado bem como aquilo que é rechaçado.

Voltando à Fómula Um...conta-se que Ayrton Senna era a determinação em pessoa. Um homem que, acima de tudo, buscava a perfeição técnica incessantemente. Conta-se que quando ainda andava de Kart ele correu num dia de chuva e seu desempenho foi péssimo. Rodou várias vezes e seu tempo era muito ruim. Desde esse dia, Senna treinava em seu kart sempre que chovia durante horas e horas. Essa determinação, que em outros meios poderia ser visto sob o colorido negativo de perfeccionismo e workaholism, levou-o a ser bom na chuva e, consequentemente, ajudou-o a ser um dos ícones desse grupo. A estória, mais que relatar um fato “glorioso”, estabelece uma “norma”, instaura um “modelo” que servirá de referência aos que aspiram a campeão.

É bem verdade que o mesmo talentoso e determinado Senna, em 1988, bateu intencionalmente no carro de Alain Prost e, dessa forma, garantiu o título do campeonato daquele ano. No ano Seguinte o francês deu o troco e ficou com o título. Em 1994, Michael Schumacher, maior vencedor da história da fórmula 1, tirou o inglês Damon Hill da disputa do campeonato ao empurrá-lo propositadamente pra fora da pista numa curva (vale lembrar que o alemão era dirigido pelo tal Briattore, atual bode expiatório da F1). O mesmo Schumacher em 97 tentou fazer o mesmo com Villeneuve na disputa pelo título, mas sem sucesso. Nos anos de ouro da Ferrari o “espírito de equipe” falou alto (de modo assaz conveniente) e Barrichelo teve de deixar seu companheiro passar e vencer a corrida. Em 2007, Fernando Alonso fez com que seu companheiro de equipe, Lewis Hamilton, tivesse seu pit stop atrasado. Recentemente a McLaren foi acusada de praticar espionagem e copiar os segredos da Ferrari. Em 2008, o dirigente da Renault ordenou que Nelsinho provocasse um acidente para favorecer o outro piloto de sua equipe.

Esses são apenas alguns dos eventos envolvendo grandes campeões (pilotos e dirigentes) da categoria, símbolos que servem de exemplo para os pilotos aspirantes. Somem-se a esses, inúmeros pequenos acontecimentos que deveriam nos fazer questionar se tais eventos são desvio ou se configuram a norma tacitamente aceita.

Na Fórmula Um toda a estrutura está desenhada não apenas para permitir mas, além disso, encorajar acontecimentos desse tipo.

As equipes são, em geral, divididas em dois times, cada um responsável pelo desempenho do carro de um dos pilotos. Assim, a lógica vigente da competição a qualquer preço entre as equipes estende-se à dinâmica intra-equipe.

Os pilotos são moldados ao longo de suas carreiras para adequar-se à idéia construída acerca de como deve ser um piloto de sucesso e, consequentemente, são avaliados em função da compatibilidade com o modelo criado. Para ingressar na F-1 seus resultados em outras categorias de automobilismo falam mais alto que qualquer outro critério, inclusos aí quaisquer critérios com referência a princípios éticos.

Algo semelhante acontece com os dirigentes das equipes. Estes são figuras emblemáticas, reconhecidamente azedas, impessoais. Algo esperado para quem foi selecionado exclusivamente pelos resultados que obteve e que precisa seguir com os resultados para manter-se no cargo. Logo, a coação, intimidação e o assédio a seus funcionários – aspectos que transpareceram no caso Nelsinho – não são encarados como absurdos, mas instrumentos de gestão até certo ponto aceitáveis dentro de determinados contextos. De alguma forma os dirigentes de equipes haverão de fazer a roda da Fórmula Um girar e para isso tudo vale.

É bastante confortável para os atores envolvidos (pilotos, dirigentes, diretores, imprensa e público) atribuir a responsabilidade pelo que acontece de “ruim” na Fórmula Um a “alguns poucos dirigentes gananciosos” e outros “nem tantos pilotos de caráter duvidoso” . Dessa forma, aparentamos encontrar a solução para o problema e alimentamos a idéia de que os princípios éticos da "Fórmula Um de outrora” foram “restaurados”.

Ao mesmo tempo em que são peças fundamentais para a manutenção engrenagem cruel que sustenta esse esporte, os dirigentes de equipes e pilotos por vezes são feitos de bodes expiatórios quando a situação convém. É a velha lógica de atribuir o “mal” funcionamento de um sistema doentio a algumas “maçãs podres”, fomentando no público a ilusão de que ao extirpá-las, o “bom” funcionamento do sistema será restaurado.

No ambiente criado e sustentado pelos integrantes do circo da Fórmula Um (pilotos, dirigentes, imprensa) tudo o que veio à tona no caso Nelsinho de forma mais intensa acontece em maior ou menor grau no dia-a-dia das equipes. A lógica cruel do desempenho a qualquer custo está impregnada na hierarquia das equipes, na configuração das relações de trabalho e nas relações interpessoais, na forma como acidentes foram e são tratados, nas anedotas e histórias contadas e recontadas diariamente, etc.

Isso porque, apesar da narrativa oficial em contrário, os valores centrais da Fórmula Um não são aqueles implícitos nas máximas esportivas segundo as quais “o importante é competir” ou “que vença o mais rápido”. O chamado Fair play nesse esporte é algo até desejável e, sim, faz parte do discurso oficial. Mas se não der pra conseguir...bem, existem coisas mais importantes/urgentes...

A Fórmula Um, por ser objeto de atenção e escrutínio do grande público, mostra de forma mais acentuada uma dinâmica doentia das relações de trabalho onde princípios éticos são relativizados. Contudo, ela é uma ilustração exemplar daquilo que de fato está em vigor no mundo corporativo atual. Basta assistir a algumas palestras motivacionais, ler algumas revistas da área e até assistir alguns filmes (ex.: "O diabo veste Prada").

Interessante nomear a organização Fórmula Um de circo: “o circo da Fórmula Um chegou a Interlagos”. No circo tudo pode acontecer e o show tem que continuar...

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Vítimas do Groupthink

O livro de Irving Janis “Victims of Groupthink”, publicado na década de 70, popularizou em definitivo o conceito de groupthink no meio acadêmico e no universo da gestão. A acessibilidade de seu conteúdo foi especialmente importante para a disseminação do termo no público em geral. Além da forma coloquial de expor suas análises, a escolha de Janis de discutir casos famosos da história norte-americana sob a ótica do groupthink tornou o livro bastante atrativo.

Casos como a invasão na Baía dos Porcos coordenada clandestinamente pela CIA, a explosão do ônibus espacial Challenger, o caso Watergate, a crise dos mísseis em Cuba, fazem parte da história e povoam o imaginário norte-americano e mundial.

O Pensamento de Grupo, como alguns traduzem o termo para o português, é um conceito que caracteriza uma determinada situação onde as pressões para a conformidade ao grupo e a busca pela manutenção da coesão grupal resultam em depreciação da capacidade do grupo de tomar decisões eficazes.

O caso da explosão da Challenger tem sido bastante explorado como exemplo clássico de groupthink. Na ocasião um problema no anel de vedação de combustível foi subestimado pelos maiores especialistas em engenharia, não apenas da NASA mas da empresa que projetou a espaçonave, e esse fato levou a um trágico vôo de 70 segundos ocasionando a morte dos sete astronautas da tripulação.

O conceito de groupthink ajuda-nos a compreender como um grupo de pessoas extremamente capazes toma uma decisão trágica mesmo quando todas as evidências de risco são claras.

No livro supracitado, Janis ilustra as principais características do groupthink com elementos dos processos de tomada de decisão no caso da Challenger (cito apenas alguns a título de ilustração):

Ilusão de Invulnerabilidade – Ao ser questionado por um dos engenheiros projetistas acerca do risco de lançar a Challenger nas condições adversas de então, um dos diretores da NASA afirmou, cinicamente, que o tal risco era o mesmo que eles tiveram nos outros inúmeros (e bem sucedidos) lançamentos. Nas entrelinhas do discurso lemos que a NASA, ou aquele grupo em especial, sentia-se inatingível, invulnerável ao erro e ao engano.

Pressão sobre a dissidência – Um dos engenheiros projetistas afirmou que, uma vez que os anéis nunca haviam sido testados em temperatura tão baixa, o lançamento deveria ser adiado até que o clima fosse favorável. A resposta de um dos diretores da NASA, endossada pelos presentes, foi seca e sarcástica: “O senhor realmente espera que a NASA aguarde até abril para fazer esse lançamento?”. Há diferentes formas de censura dentro dos grupos. Em muitas equipes de trabalho os dissidentes são sistemática e sutilmente ridicularizados. Logo recebem rótulos como “advogado do diabo” ou “do contra”. Opiniões contrárias àquela inicialmente aceita pelo grupo são analisadas superficialmente para logo serem rejeitadas. Toda essa dinâmica é criada num grupo imaturo, geralmente onde a liderança é passiva. A caça às bruxas serve à manutenção do bem estar psíquico do grupo pelo caminho mais curto. Ou seja, ao designar bodes expiatórios e rotular pessoas com opiniões contrárias o grupo evita conflitos e desgastes porque os entende como ameaças à sua própria integridade.

Auto-censura – O grupo estava se posicionando claramente a favor do lançamento na data prevista. Estava claro também que as posições contrárias não eram bem vistas pelo grupo. Nessa dinâmica, mesmo quando as posições contrárias são expostas, isso é feito de maneira a evitar o confronto. Por exemplo, na última videoconferência um dos engenheiros, que tentava defender uma posição contrária, nunca chegou a afirmar categoricamente que o lançamento não deveria acontecer porque o risco de mal funcionamento do anel de vedação era muito alto. Ele demonstrou a sua posição de uma maneira muito menos contundente: “temperaturas baixas podem estar associadas a mal funcionamento do anel de vedação”. Dessa forma ele tentou satisfazer a sua necessidade de colocar o problema mas o fez de uma forma que o grupo não fosse confrontado. A atmosfera definitivamente não era favorável a posicionamentos assertivos e contundentes em sentido contrário ao que o grupo havia escolhido.

Essência do groupthink

O livro analisa de maneira muito mais aprofundada cada uma das características associadas ao groupthink destacando como cada uma delas implica dificuldades para o processo decisório. Contudo, a idéia nuclear que perpassa todo o texto é de que não apenas a tomada de decisão individual sofre seus viéses.

A decisão em grupo pode ser bastante irracional independente do conhecimento individual de cada um de seus membros sobre o assunto em questão. Isso porque a busca pela coesão pode comprometer a busca por informações e a análise das alternativas disponíveis, processos essenciais para a tomada de decisão.

Ademais, Janis deixa claro que a capacidade de um grupo para tomar decisões adequadamente está condicionada à influência de alguns aspectos de sua dinâmica interna (liderança, características pessoais, cultura, fase de desenvolvimento do grupo, gestão de conflitos, etc.) aliados a algumas condições externas (pressões externas como prazos, hostilidade inter-grupos, etc.)

O conceito de groupthink constitui então uma ressalva ao famoso dito popular segundo o qual “duas cabeças pensam melhor que uma”. Ele nos revela os caminhos escusos que um grupo pode tomar no decorrer do processo decisório, o que, por vezes, faz com que o potencial de seus membros não seja aproveitado.

Ainda, o groupthink ajuda-nos a compreender que o grupo é uma entidade absolutamente diferente da soma de suas partes/membros. Logo, fica-nos claro que o pressuposto de adição de capacidades, implícito em nosso dito popular, nem sempre pode se materializar. Nesse sentido, falar em groupthink é um pouco afastar-se do dito e aproximar-se de Nelson Rodrigues, segundo o qual, toda unanimidade é burra (um tanto radical,mas enfim...).

Groupthink como lentes de análise

Sempre que um conceito se populariza com tamanha intensidade alguns problemas se apresentam. No caso do groupthink, o conceito em si não tem sofrido grandes alterações. A interpretação do mesmo também parece consistente ao longo dos anos. Contudo, as proposições teóricas de Janis são amplamente aceitas independente da quantidade esparsa de pesquisas robustas desenhadas para verificação de sua ocorrência.

O que ocorre amiúde é a aceitação acrítica do conceito. Assume-se que o fenômeno é real tal qual foi definido por Janis. Os estudos geralmente reduzem-se a análises retrospectivas de casos sob a ótica das proposições. Ora, se é verdade que quem procura acha, a “descoberta” de casos de groupthink utilizando essa metodologia não deveria servir de argumento para a ratificação de seu caráter de fenômeno real.

Mesmo nos casos relatados por Janis, há uma série de elementos que podem ser analisados sob outra ótica de maneira igualmente produtiva. Da mesma forma que o evento da Challenger pode ser interpretados em termos de groupthink, poderia também ser discutido à luz das teorias acerca das relações de poder nas organizações, da liderança, da cultura organizacional, ou outro ponto de vista qualquer. Essas abordagens certamente atentarão para elementos importantes do processo que não constituem foco de atenção para o pesquisador que apenas procura groupthink.

Na ausência de pesquisas que aprofundam o conceito, verificam a adequação do mesmo em termos de compreensão da realidade grupal, julgo que o melhor a fazer é utilizá-lo da melhor forma possível: encarando-o como um conjunto de proposições que apenas ajudam a traduzir uma realidade extremamente complexa em algo inteligível, realçando alguns elementos em detrimento de outros mas que não esgota a realidade observada.




Achei poucas coisas na net sobre Pensamento de grupo em português. A coluna de Thomaz Wood Jr., cujo link encontra-se abaixo, é excelente.

http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=4044

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Suicídio no Trabalho

Reproduzo aqui um texto que me foi repassado numa lista de discussão sobre Psicologia Organizacional e do Trabalho.

O texto é curto mas serve para refletirmos sobre o impacto do trabalho em nossas vidas, sobre como a organização do trabalho pode ser "psicopatogênica", fonte de sofrimento e total desespero.

Empresa de telefonia vive onda de suicídios na França
Daniela Fernandes

De Paris para a BBC Brasil

A empresa de telefonia francesa France Télécom vive uma onda de suicídios de seus funcionários. Nos últimos 18 meses, 22 empregados da operadora se mataram, seis deles apenas nos últimos dois meses.Nesta quarta-feira, um funcionário de 50 anos se esfaqueou na barriga durante uma reunião de trabalho em Troyes, no noroeste da França.

O empregado, identificado como Lionel, foi informado de que sua vaga havia sido cortada e que ele passaria a realizar uma outra atividade na empresa, o que o funcionário considerou como um rebaixamento do cargo.

Lionel foi transferido de urgência para um hospital e não corre risco de vida. Ele trabalha há 30 anos na France Télécom.

Mudança

Segundo sindicalistas, Lionel fazia manutenção dos serviços telefônicos em empresas clientes da operadora. Ele soube, durante a reunião, que passaria a fazer consertos em residências de assinantes.Também segundo os sindicatos, ele havia sido informado de que "as vagas disponíveis existiam apenas a centenas de quilômetros da área onde ele trabalha".

A direção da France Télécom informou que o empregado "trabalhava no setor de intervenção n as empresas, cujo volume de atividade diminuiu".

Segundo a operadora de telefonia, "a transferência do funcionário prevê que ele trabalhe na mesma cidade, na mesma atividade (de manutenção), no mesmo local".

Estresse

Os sindicatos acusam a direção da France Télécom de não levar em conta a grande preocupação dos trabalhadores provocada pelo atual processo de reestruturação da companhia.
A direção da empresa, em Paris, vai se reunir na quinta-feira com representantes dos trabalhadores e deverá anunciar medidas para prevenir o estresse no trabalho.
Os sindicatos anunciaram, também na quinta-feira, uma jornada de mobilização, com pré-aviso de greve, para protestar contra os suicídios.

Os sindicatos denunciam uma "deterioração das condições de trabalho" na France Télécom, causada pela eliminação de postos de trabalho, reestrut urações, transferências obrigatórias de trabalhadores para outras localidades sem possibilidade de recorrer da decisão, além de pressões cada vez maiores para aumentar a rentabilidade da companhia.

``Direção do terror''

Um funcionário da empresa, que se suicidou no dia 14 de julho, em Marselha, no sul da França, havia justificado sua decisão em uma carta, alegando graves problemas no trabalho.

"Eu me suicido por causa do meu trabalho na France Télécom. É a única razão. A desorganização total da empresa me deixou totalmente perturbado. Eu me tornei um destroço. É melhor acabar com tudo", dizia o empregado na carta. Ele também denunciou no texto a sobrecarga de trabalho e a "direção de terror" da empresa.

Vários suicídios também já ocorreram, entre 2006 e 2007, nas montadoras Renault e Peugeot, quando os empregados se suicidaram no próprio local de trabalho.

A France Télécom, privatizada em 2004, emprega cerca de 187 mil pessoas no mundo.

domingo, 6 de setembro de 2009

Maslow

A teoria de Abraham Maslow acerca da motivação humana é, talvez, a mais conhecida entre psicólogos e profissionais de outras áreas do conhecimento. Como ficou conhecida, a Teoria da Hierarquia das Necessidades ganhou considerável notoriedade e é presença quase certa em praticamente todos os manuais que tenham a motivação como tema integrante. Enfim, praticamente todo mundo lembra da tal “pirâmide de necessidades”.

Como afirma em seu texto de intitulado “A Theory of Human Motivation”, Maslow esteve interessado em identificar necessidades básicas, comuns a todos os indivíduos. A partir de sua prática clínica, ele chegou formulou a proposição de que o comportamento humano – ou pelo menos boa parte deste – poderia ser explicado por cinco categorias de necessidades básicas. Estas necessidades estão organizadas numa hierarquia (hierarchy of pre-potency). A representação dessa hierarquia escolhida por muitos é a tal pirâmide.


Maslow definiu as necessidades fisiológicas como aquelas em primeiro lugar na hierarquia. Estas estão relacionadas com o mais básico para a sobrevivência do ser humano e inclui as necessidades de alimentação, sono, sexo, etc. Isso significa dizer que se todas as necessidades básicas estão insatisfeitas, todas as capacidades (inteligência, memória, etc.) do sujeito serão direcionadas para a satisfação das necessidades fisiológicas.

Na sequência, a segunda categoria é denominada de necessidades de segurança. As necessidades de proteção, estabilidade, segurança, etc estão incluídas aí. Maslow denominou a terceira categoria em sua hierarquia como necessidades de amor. Contudo, estas passaram, posteriormente, a ser chamadas necessidades socias, as quais incluem amor, amizade, pertença, afiliação e relações afetivas com outras pessoas em geral.

As necessidades de estima constituem o quarto nível hierárquico proposto por Maslow e incluem o respeito por si mesmo, auto-estima, prestígio, status. Com base nessas necessidades o indivíduo pode procurar exercer uma série de comportamentos em busca de reconhecimento, atenção, apreciação, ou, na sua vertente ma interna, liberdade, independência, competência.

O quinto e último nível hierárquico é chamado de auto-realização. Esta categoria de necessidades refere-se ao desenvolvimento e crescimento pessoal, ou seja, a necessidade que os indivíduos têm de realizar suas potencialidades e de transformarem-se naquilo para que têm capacidade.

Apesar da noção de uma sequência estar implícita em sua teoria, Maslow reconhece que as necessidades interagem entre si e podem agir simultaneamente na energização de acções. Portanto, não temos aqui uma idéia de tudo ou nada, em que uma determinada categoria de necessidades apenas passa a influenciar o comportamento de um indivíduo quando este conseguir satisfazer a necessidades de uma categoria superior em termos de importância na hierarquia. Essa infelizmente tem sido a interpretação dada à teoria na maioria dos manuais.

Maslow assume que, à medida em que determinadas necessidades são satisfeitas, acontece que a capacidade destas para influenciar o comportamento diminuem mas não necessariamente desaparece. Portanto, um indivíduo pode ter as suas necessidades de estima insatisfeitas, mas buscar determinados comportamentos designados para satisfazer as suas necessidades de auto-realização. Ademais, Maslow reconheceu desde sempre que as motivações – termo que usa para referir-se às ditas necessidades – constituem apenas uma classe de determinantes do comportamento e estão ao lado dos factores biológicos, culturais e situacionais. Este é um dos detalhes importantes que, por vezes têm escapado aos olhos dos críticos desta teoria.

Como consequência de sua própria popularidade, a teoria da Hierarquia das Necessidades tem sido alvo de interpretações pouco precisas dos postulados de seu autor e de uma insistente simplicação de suas idéias originais. Particularmente creio que muitas das críticas à teoria têm como base uma interpretação errônea das principais proposições. Se há alguma crítica realmente difícil de rebater é o forte viés cultural de sua teoria. Sua análise das necessidades reflete fortemente o cenário cultural norte-americano. E quando se fala em identificar necessidades básicas dos seres humanos, faz-se necessária uma análise muito mais abrangente que parte da população de um país.

domingo, 23 de agosto de 2009

Homenagem a Dona Mundinha

A minha avó não foi a primeira mulher a votar nem a primeira a assumir um cargo público. Não foi símbolo de luta pelos direitos civis ou de qualquer outra luta que seja. Não quebrou paradigmas nem trouxe novas perspectivas para a sociedade em que viveu.

Até onde sei, minha avó era vascaína, fã incondicional de Roberto Dinamite. Trabalhou como farmacêutica e foi membro do Lion’s club. Ela foi uma mulher comum, uma mulher de seu tempo. Nasceu, cresceu, casou e teve filhos. Seus filhos tiveram filhos e dessa forma se fez mãe de alguns, avó de alguns mais.

A minha avó fazia um bife saboroso que me fazia esquecer o coentro que ia no tempero e que eu tanto odiava. Ela me levava a pé ao supermercado mais próximo e me ensinava a “arte” de escolher frutas. As laranjas tinham que ter a casca fina, os abacaxis tinham que soltar parte da coroa e para a melancia era necessário bater e treinar o ouvido. Ela me fazia tomar leite morno achocolatado antes de dormir e comer biscoito de água e sal com queijo. Me ensinou a jogar baralho e assim espantava um pouco sua solidão. E isso tudo, tinha ela a certeza, era cumprir seu papel de avó.

Na casa da praia, acordava às 6h e nos chamava pra catar pedras e búzios. Chamava-nos à hora do almoço quando estávamos nas pedras e não nos deixava matar os peixes ou os siris que nós, curiosos e sádicos, trazíamos de volta da “pescaria”.

Mais tarde na faculdade, quando já a chamava “dona mundinha”, sua casa passou ser um pouco a minha segunda casa. Chegava cedo e ia para o quarto estudar e dormir, atrasando sua faxina. Ela nunca entrava no quarto e brigava com quem o fizesse. Quando adormecia no sofá me trazia um travesseiro e me acordava pra deitar na rede que já estava armada. Viajávamos de carro e seu olhar sério dirigido ao velocímetro alternava-se aos sorrisos que surgiam quando alguma música de seu tempo surgia. Adiciono a estas lembranças um enorme et caetera.

As ditas “grandes” mulheres não me deixam saudade. Não marcaram minha vida. São uma pseudo-realidade; algo distante, frágil e superficial. A minha avó, por outro lado, era real. Pra mim maior que qualquer Hannah Arendt, Virginia Wolf ou Rosa Parks. Sua importância simplesmente não é mensurável ou discutível. Ela ajudou a fazer de mim o que sou hoje. É essa a marca que ela me deixou ao nos deixar esta noite.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Pressupostos

Todos somos, em certa medida, “cientistas”. Observamos nosso mundo, formulamos hipóteses acerca da relação entre os fenômenos que observamos, desenvolvemos teorias a partir disso e, muitas vezes, as colocamos à prova. Independente do rigor que imprimimos ao nosso método de análise, estamos constantemente buscando explicar o que vemos e o porquê daquilo que acontece ao nosso redor. Procuramos evidências para suportar nossas ações e, muita vezes, apenas pelo prazer de conhecer. Observar uma criança de dois anos explorando seu mundo nos dá uma idéia bastante clara de como esse processo é típico do ser humano.

Porém, com o tempo, a busca espontânea e excitante por conhecer novos fenômenos transforma-se numa caminhada desinteressada e muitas vezes voltada apenas para a confirmação de nossas certezas já construídas. Esquecemos a máxima popperiana de que toda verdade científica é provisória e deixamos de buscar alternativas. E nem sempre temos a humildade para reconhecer a fragilidade das bases sobre as quais erguemos nosso pequenos grandes dogmas.

Assim, as teorias que desenvolvemos acerca de como funciona a realidade deixam de ser instrumentos que auxiliam na percepção do mundo para tornar-se lentes rígidas que ofuscam a enorme complexidade contida naquilo que pretendemos ver. Passamos a ver o que queremos. Selecionamos aquilo que não contradiz o que já “sabemos” e somamos isso às inúmeras outras “evidências” que colhemos ao longo da vida. Enfim, fechamo-nos para possibilidades fora de nossos modelos de mundo.

Essa espécie de estereotipia ou “mini-delírio” (chamo delírios porque muitas das convicções que criamos são absolutamente impermeáveis a qualquer evidência contrária) nos acompanham com maior ou menor intensidade na relação com outras pessoas. Aplicamos nosso “modelo rígido” de comportamento humano (ou, digamos, nossa concepção de natureza humana, construída ao longo da vida) e realizamos julgamentos, interpretações, deduções e predições coerentes com o mesmo.
No trabalho a coisa não é diferente. Arriscaria dizer que no trabalho a dimensão desse problema torna-se absolutamente evidente uma vez que o trabalho é a esfera central da vida de praticamente toda a população mundial.

Há praticamente meio século, McGregor (Foto) nos chamava a atenção para a importância das atitudes que gestores formam em relação a seus empregados. Argumentava ele que é preciso que conheçamos “as lentes” através das quais os gestores enxergam o trabalho, os trabalhadores e a relação entre empresa e empregados para compreendermos plenamente o processo de trabaho e diversos fenômenos a este relacionados.

Para McGregor, os gestores têm uma de duas concepções acerca do comportamento dos trabalhadores frente ao trabalho. Essas concepções estão, via de regra, bastante enraizadas e influenciam a forma como os gestores interpretam as ações de trabalhadores, planejam e desenham o ambiente de trabalho, desenvolvem sistemas de consequência, etc.

A primeira, denominada Teoria X, é aquela em que os gestores consideram que os trabalhadores em geral, por sua “natureza” não gostam de trabalhar. A motivação para o trabalho é essencialmente financeira e o trabalho é percebido como um “mal necessário” para o alcance de objetivos pessoais . A segunda, chamada Teoria Y, é aquela adotada por gestores que consideram que os trabalhadores são naturalmente motivados para o trabalho e, portanto, este é o espaço privilegiado onde as pessoas satisfazem suas necessidades de desenvolvimento e auto-realização.

Apesar de ter descrito grosseiramente a contribuição de McGregor, está claro que as diferentes concepções de natureza humana contidas em cada uma dessas orientações levam a consequências diversas. Os gestores da primeira certamente acreditarão que o seu papel é fundamentalmente o de controlar, fiscalizar, o processo de trabalho e os empregados são vistos como máquinas que não devem executar nada além daquilo para que foram “programadas”. Os gestores da segunda vêem a sua função como a de um facilitador do desenvolvimento do processo de trabalho, e buscará motivar os empregados através da influência e considerando suas necessidades de auto-realização. Dito de outro modo, reconhecer a importância dessas concepções nos permite compreender, sob um ponto de vista privilegiado, aquilo que acontece no ambiente de trabalho, nos dá pistas sobre os motivos de ações gerenciais.

E os que ficam?

No texto passado falamos acerca do uso das demissões em massa pelas organizações de trabalho. Dissemos que tal prática tem significativo impacto não apenas sobre as vítimas diretas do processo, mas suas famílias, e a sociedade em geral. Argumentamos, finalmente que, ao buscar solucionar uma problema (geralmente urgente e imediato) as demissões em massa, como quase toda ação de gestão, levanta outros potencialmente iguais ou superiores aos que originaram a necessidade de se implementar a medida.

Mais especificamente, defendemos que as demissões afetam negativamente as pessoas que permanecem na organização. Consequentemente, a empresa – se é que podemos abstrair a idéia de todo aí contida das pessoas que o compõem – sofre seus efeitos. Neste sentido, é lógico supor que a condução do processo é fundamental para antecipar esses possíveis problemas e solucioná-los ou amenizá-los. Isto, claro, supondo que o corte de pessoal seja inevitável.
A atenção a diversos aspectos da condução do downsizing justifica-se não apenas por razões ético-humanistas mas também por uma apreciação prática – embora profunda – das relações custo-benefício envolvidas. Isto porque subestimar o fator humano nesse processo levará a problemas organizacionais em curto, médio e longo prazos.

Como vimos, o downsizing é, em grande parte, resultante de pressões do ambiente competitivo. A diferença é que ele pode ser fruto imediato dessas pressões ou pode ser resultado de uma adaptação gradativa da empresa, de maneira a deixá-la pronta a responder de maneira mais eficaz a pressões futuras. Independente dessa diferença, a forma como ele é implementado pode acentuar ou amenizar suas potenciais desvantagens, entre as quais cito apenas algumas presentes na literatura:

• Desperdiça o capital intelectual acumulado nas organizações;
• Pode indicar uma visão das organizações sob uma perspectiva unidirecional (top-down);
• Efeito negativo na responsabilidade e na imagem social da organização.

Todos esses pontos são importantes e representam ameaças ao funcionamento subsequente da empresa. Se esta não tem uma política adequada de gestão do conhecimento, as pessoas que saem não deixarão rastros, seu conhecimento acumulado (explícito e tácito) será levado com eles e provavelmente usados por outras empresas. A imposição das medidas de maneira impessoal e ríspida será interpretada de maneira negativa pelos que ficam e terá efeitos perversos sobre os mesmos. Finalmente, o efeito na imagem da organização diminuirá sua capacidade de atrair talentos e poderá até causar impacto no valor de sua marca.

O nosso propósito, porém, é fazer um recorte mais preciso e centrar sobre o impacto do downsizing nas pessoas:

Aumento da carga de trabalho (há um autor inglês, crítico da re-engenharia, que diz que o principal desafio dessa prática é convencer os empregados a fazer mais pelo mesmo salário);
Amento do stress laboral;
Aumento da percepção de insegurança no emprego;


Uma série de falhas na condução do processo podem acentuar esses efeitos nos sobreviventes, mas se;

de uma maneira geral o downsizing foi mal planejado (por falha de previsão ou por incompetência);
a comunicação durante o processo foi falha e deu margens a ruídos;
a liderança não se mostrou presente durante o processo e não apresentou claramente os critérios para demissões;
os condutores do processo falharam em calcular acertadamente o efetivo mínimo para a futura situação da empresa;
se a empresa não antecipou aos funcionários se novas demissões viriam em seguida das primeiras;
a empresa não teve a preocupação de prover serviços de re-colocação (outplacement) para aqueles que foram demitidos, ou de apoio psicológico aos que permaneceram;

os efeitos podem ser absolutamente devastadores para a saúde mental daqueles que sobreviveram aos cortes.

É bem verdade que as pessoas reagem de maneiras diferentes ao downsizing, assim como o fazem em relação a qualquer evento estressor – a esse propósito Mishra & Spreitzer (1998) apresentam uma interessante tipologia de respostas ao downsizing usando como base teorias sobre o estresse. Independente disso, as falhas acima citadas aumentarão as chances de mais pessoas reagirem de maneira negativa (destrutiva e passiva, para falar na tipologia dos autores).


O sobrevivente ao downsizing pode apresentar sintomas físicos e mentais relacionados com ansiedade prolongada (até mesmo desenvolver quadros graves), percepções de injustiça, perda de confiança na gestão da empresa, queda do comprometimento com a empresa, medo de mudanças, redução na satisfação e motivação, diminuição da disposição para tomar ações que impliquem riscos (inerentes a certos cargos) e, em geral, uma sensação de impotência em relação aos acontecimentos em seu entorno.


É óbvio, por razões humanitárias, que essa é uma situação indesejável. Mas mesmo olhando sob a ótica fria do próprio funcionamento da empresa, não são menos óbvios os efeitos devastadores das consequências acima listadas. Por exemplo, o empregado sem confiança na sua liderança, com medo de mudança, inseguro de seu emprego, provavelmente fará o mínimo possível – apenas o mínimo de trabalho requerido – para evitar a sua própria demissão.


Os efeitos negativos que estão associados à percepção de insegurança no trabalho estão amplamente demonstrados na literatura organizacional. Especificamente em relação ao downsizing, um estudo longitudinal de Armstrond-Stassen (2004) identificou que gerentes intermediários, em geral, sentiam-se menos seguros no emprego que gerentes executivos, e, portanto, apresentaram mais sintomas relacionados com o estresse e menor desempenho que estes últimos. Com semelhante propriedade estão demonstrados o impacto negativo da queda do comprometimento e da motivação, da falta de confiança organizacional etc.


Ademais, o downsizing - quando conduzido negligenciando o fator humano - será interpretado como uma quebra do contrato psicológico. Este representa uma concepção acerca da relação de trabalho, tacitamente estabelecida entre empresa e trabalhador, e que determina as expectativas acerca dos papéis desempenhados por ambas as partes. Quando se percebe que esse contrato é quebrado as consequências podem ser irreversíveis; a relação poderá nunca voltar a ser a mesma.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Downsizing: dieta ou anorexia organizacional?

O downsizing, redução significativa do número de funcionários de uma empresa, tem sido uma prática administraiva amplamente aplicada nas organizações durante as últimas décadas. Não obstante, a redução de quadros tem resultado em muita polêmica, dado o seu significativo impacto não apenas sobre as empresas, mas sobre os trabalhadores e a sociedade como um todo. A despeito de seus resultados controversos e das críticas decorrentes de sua implementação massiva e irracional (que por vezes deitaram abaixo suas supostas vantagens), o downsizing segue, ainda hoje, como alternativa aos mais diversos problemas enfrentados pelas mesmas.

É fato que as empresas precisam enfrentar a competição. Para isso precisam gerar resultados, lucro. Em situações de enfrentamento de crise, a empresa, como um organismo vivo, precisa fazer ajustes e adaptar-se às constantes mudanças no ambiente. Em algumas situações, reduzir o número de empregados é inevitável. Imagine que a crise do mercado “pegou” a empresa absolutamente despreparada. Nesta situação, o leque de alternativas de enfrentamento se reduz consideravelmente e demitir não é opção, mas um pré-requisito para a sobrevivência da empresa a curto prazo. Neste sentido a redução de quadros é imposta pelas condições de maneira brusca, ou seja, é feita de maneira puramente reativa.

Uma outra forma de redução do quadro de funcionários é mais ativa, logo, planejada. Chamem de reestruturação, re-engenharia, lean production (produção “enxuta” na ausência de melhor tradução), ou qualquer outra coisa. O fato é que nestes casos a redução do efetivo está implicada e fundamentada numa mudança planejada, a qual deverá mexer com toda a estrutura organizacional, de maneira a enfrentar as mudanças ambientais a médio ou longo prazo.
Nestes casos não falamos apenas de uma mudança quantitativa (como no caso do downsizing reativo, ad hoc), mas qualitativa uma vez que os desligamentos são parte da estratégia da mudança organizacional. Essas mudanças, em geral, respondem à idéia, amplamente aceita, de como uma empresa deve ser: enxuta. Se está nascendo agora deve permanecer magrinha, se já estava com sobrepeso (caso de muitas empresas aéreas no mundo nas décadas de 80 e 90), deve perder uns quilinhos.

Por trás disso há uma concepção de controle, endossada por, entre outros, Bill Gates, segundo a qual é necessário enfatizar o negócio nuclear da empresa, terceirizar os serviços periféricos, etc. Neste sentido, a eficiência organizacional passou a estar associada à simplicidade estrutural, quadros enxutos e altamente qualificados, diminuição de níveis hierárquicos, etc. A saúde organizacional, análoga à humana, passa a estar relacionada à boa forma, à “magreza”.
Ao adotar a visão de eficiência relacionada com simplicidade estrutural e pequenas dimensões, é natural que vejamos o downsizing como um importante passo à “boa forma física” empresarial. Porém, a relação entre downsizing e lean production é bem mais complicada, muito embora inicialmente o downsizing tenha sido visto como uma etapa fundamental do percurso em direção à mesma. Na prática, a redução de quadros está implicada na adoção dos princípios de lean production (ou de re-engenharia, ou o que quer que seja), uma vez que, via de regra, as organizações optam por efetuar reduções quantitativas nos custos com pessoal e não mudanças qualitativas em seus processos de gestão. Portanto, é fato que a demissão em massa nem sempre está inserida num quadro de mudança planejada, fundamentada numa nova lógica de gestão, mas num quadro de reação a pressões do ambiente com vistas a resultados a curto prazo. Além disso, como presenciamos hoje na economia em crise, a demissão oportunista também é fato.

Para seguir com a metáfora da boa forma física diríamos que as empresas, na maior parte das vezes, nem sempre optam por uma dieta com planejamento nutricional adequado, mudança de hábitos alimentares e exercícios físicos, mas simplesmente em abdicar de comer, na esperança de que mesmo assim conseguiriam manter seu pleno funcionamento físico. À promessa de uma organização “em forma”, segue-se, amiúde, uma espécie de anorexia organizacional, minando o status de panacéia eficaz inicialmente conferido ao downsizing.

As demissões têm impacto tremendo sobre os empregados. Isso parece bem óbvio. Quando elas ocorrem em grandes dimensões afetam não apenas um ou outro funcionário que perdeu seu emprego, mas suas famílias, a comunidade e a economia em geral. E mais: elas afetam consideravelmente a própria organização e, de maneira bem particular, aqueles que “sobreviveram” à “triagem” (teoricamente saíram ilesos). Há muita literatura e pesquisa sobre a chamada “síndrome dos sobreviventes”. Por ora, vale salientar apenas que, independentemente de como o processo é conduzido, os empregados que permanecem não são as mesmas pessoas de antes: elas mudam. De modo semelhante, não podemos dizer que a organização é a mesma. A fórmula "Empresa hoje = Empresa Ontem - Empregdos Demitidos" não condiz com a realidade. Considerar o fator humano é condição essencial para identificarmos de maneira mais abrangente os impactos do downsizing.

Para não alongar muito este texto, pretendo em breve falar um pouco mais sobre o impacto das demissões sobre aqueles empregados que permanecem na empresa e discutir um pouco, à luz do que a psicologia tem investigado, sobre as formas de conduzir de maneira mais eficaz esse tipo de mudança. Abordarei também alternativas como recolocação e a importância da comunicação e da liderança neste processo.

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21/3/2009 - Commentário Sem Título
Postado por Anônimo
Borba, excelente texto. Confesso que não tinha pensado nas pessoas que ficam na empresa (o impacto das demissões). Acho que a tendência é pensar nos empregados que saem, nas consequências psicológicas e tal (vide estudos de Jahoda, se não me engano). Também não tinha pensado no oportunismo empresarial para demitir, aproveitando a "crise" em voga. Bom, estou curioso para ler a continuação. Abrçs, FdC.
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Comprometimento e Futebol

No livro “A Dança dos Deuses”, Hilário Franco Júnior nos mostra, através de uma infinidade de informações, como, principalmente no decorrer do século XX, o futebol e a sociedade estiveram entrelaçados e como se influenciaram mutuamente.
Dito isto, assumimos que muitos dos problemas enfrentados no futebol são análogos àqueles enfrentados no mundo do trabalho. E vice-versa. Em relação ao contexto do trabalho, as semelhanças entre futebol e sociedade acentuaram-se cada vez mais na proporção em que o futebol foi se profissionalizando. O recente episódio da tentativa de compra de Kaká pelo Manchester City ao AC Milan pode ser tomado como exemplo disso.



Kaká é jogador do AC Milan há mais de cinco anos, algo raro no futebol atual. Kaká mostrava-se satisfeito com seu clube e não escondia que seus objetivos de carreira tinham o Milan como único horizonte. Ele também já havia dito que pretendia assumir o cargo de capitão do time e “envelhecer” no clube que o projetou para o estrelato no futebol. Ademais, Kaká também deixou transparecer, em várias oportunidades, o desejo de seguir no clube como dirigente quando pendurar as chuteiras.
Tudo isso seguia tranquilo e inquestionável até algumas semanas atrás, quando o Manchester City ofereceu uma soma astronômica pelo passe do jogador. Uma valor quase irreal, mesmo sem considerar a atual crise econômica ou lembrar o caráter suspeito da fonte do prometido dinheiro (o que não vem ao caso). O Milan mostrou-se interessado enquanto Kaká esteve relutante. Depois de um certo imbróglio, um certo vai ou fica, a decisão: Kaká fica. Porque o Milan quer e, sobretudo, porque Kaká quer.
Esse evento me fez lembrar o tema do comprometimento com a organização, um vasto campo de pesquisa na Psicologia do Trabalho e das Organizações. É inevitável que a explicação a seguir simplifique em excesso o conceito: Meyer e Allen, são dois autores canadenses que defendem um modelo multidimensional do comprometimento, que congrega as contribuições de vários outros autores anteriores. De acordo com o modelo , há três dimensões ou bases do comprometimento: afetiva (permanece na empresa porque quer), calculativa ou de continuidade (permanece porque precisa) e normativa (permanece porque sente que deve). As diferentes bases ensejam diferentes disposições comportamentais, embora tenham em comum uma relação negativa com o turnover.
Uma das premissas do modelo é que as bases do comprometimento estão presentes ao mesmo tempo com intensidades diferentes. Um jogador, por exemplo, pode permanecer em um clube pelo "amor à camisa" (C. Afetivo), por não ter alternativas ou não querer perder aquilo que conquistou com tanto tempo de trabalho no clube – ex.: chegou a capitão – (C. Calculativo) ou ainda por nutrir um sentimento de obrigação moral para com o clube que o treinou desde criança e investiu forte em seu desenvolvimento profissional (C. Normativo).
Tudo isso pode estar presente em diferentes medidas. Este é o modelo conceitual mais aceito hoje. Entretanto, sugiro, para quem se interesse, a leitura da mais recente – e talvez mais bem fundamentada – crítica a esse modelo, presente no artigo de Solinger, Olffen & Roe (2008).
Além das diferentes bases do comprometimento uma das grandes questões é aquela referente aos seus múltiplos focos. Nós, assim como os jogadores de futebol, nos comprometemos não apenas com nossa organização, mas com nossa carreira, com nosso chefe, com nosso grupo de trabalho, com o sindicato, etc.
Muitas vezes o comprometimento com esses múltiplos focos leva o sujeito a tendências contraditórias. Não é raro que algumas pessoas deixem uma empresa de que gosta para acompanhar o seu chefe ou colega de trabalho que entraram em outra empresa. Algumas empresas podem não permitir o desenvolvimento da carreira de um profissional e, por essa razão, este pode deixá-la por outra em que terá o que espera. O vínculo com um sindicato pode implicar comportamentos não condizentes com o seu comprometimento com a empresa.
Na minha visão, a questão dos múltiplos focos está evidente no mundo do futebol já há um bom tempo. Porém, pra ser mais específico, acredito que a carreira é o principal foco do jogador de futebol, o que faz com que tome decisões que contrastem com o que seria de esperar de seu vínculo com o grupo, com seu treinador ou com seu clube. Consequentemente, devemos atentar para esse a relação do jogador com sua carreira se estivermos interessados em entender melhor seu comportamento.
Os jogadores, mais que profissionais de muitas categorias, buscam visibilidade, desafios, novidades. Podem escolher entrar num clube por este lhe dar boas chances de conquistar títulos, ou simplesmente por permitir participar de campeonatos que lhes dão maior visibilidade. Assim podem escolher ganhar menos num clube que beneficie sua carreira do que ganhar mais em outro em que apagar-se-á como profissional. Enfim, mais que o salário a ganhar, muitas vezes conta muito o valor a ser agregado à sua carreira. Ganhar muito e ficar no banco é outra opção pouco escolhida por jogadores.
Visto sob esta ótica, o clube (a organização) parece ser um mero instrumento no desenvolvimento profissional dos jogadores. Estes últimos passam a ser vistos como “mercenários” uma vez que parecem dispostos a mudar de clube por “qualquer razão”.
O caso da Juventus também é emblemático. Rebaixado pra segunda divisão do campeonato italiano e suspenso das competições européias o clube e seus torcedores assistiram a uma verdadeira diáspora de seus craques para os principais clubes europeus (inclusive rivais italianos). A derrocada da Juve é equivalente a ver a Coca-Cola transformar-se num supermercado local, pelo menos por um tempo. E, seguindo com a comparação, os jogadores da Juventus, que “dirigiam” a outrora grande Coca-Cola, preferiram mudar para as “Nike’s” e “Microsoft’s”, e seguir como importantes atores no cenário internacional.
A revolta dos torcedores da Juve e as “desculpas” formuladas pelos jogadores que deixaram o “barco” afundando são conjuntos de enunciados que representam bem o atual duelo entre o discurso de cobrança do “amor à camisa de outrora”, proferido por diretores e torcedores, e o discurso do “profissionalismo” presente na fala de jogadores e, obviamente, de seus empresários.
Uma parte bem específica do mundo do trabalho, aquela dos empregados altamente qualificados (dos chamados talentos) vive – dizem alguns – próxima a essa realidade, em que os interesses ligados à carreira se sobrepõem aos da organização. As empresas cobiçam cada vez mais esses talentos (como exemplo temos a prática de Head Hunting) enquanto estes desejam usar organizações de renome para dar saltos maiores e maiores em suas carreiras. Uma vez conquistados, como mantê-los? De que esses “novos empregados”, pra utilizar a terminologia de Grantham, precisam para ficar? Qual o papel que o comprometimento organizacional assume no novo contexto, esse mesmo referência tão importante outrora, na esteira do welfare state e do pleno emprego, em que o vínculo entre empregado e empregador pressupunha uma relação de tempo indeterminado?
Ao contrário do que alguns defendem, pra mim, o caso de Kaká mostra que o comprometimento organizacional continua a ser importante e deve ser fomentado nas organizações. Contudo, diferentemente de outros tempos, os outros vínculos ou focos de comprometimento também devem ser tidos em conta. Kaká não foi ao Manchester City porque este não lhe dava a possibilidade de conquistar títulos europeus ou de fazê-lo voltar a ser o melhor do mundo. Mas Kaká também resolveu rejeitar o Manchester City por amor ao clube e por toda a relação que construiu com sua torcida e dirigentes; porque no Milan Kaká fez investimentos, construiu a plataforma segura para conquistar seus objetivos dentro do clube(ser capitão da equipe, destacar-se internacionalmente); porque provavelmente lá ele é ouvido, considerado, reconhecido; Kaká ficou também porque sente que deve muito ao clube que deu destaque ao seu nome, que fez com que ele chegasse à seleção brasileira como principal jogador.
Neste sentido, ganhou Kaká porque manteve-se no clube que ama e que irá possibilitar grandes oportunidades à sua carreira de jogador. Ganhou o Milan enquanto organização ao manter aquele considerado sua principal vantagem competitiva. Ganhou também o futebol mais uma história que será contada e recontada futuramente, por senhores de meia-idade que, em tom professoral e nostálgico, lembrarão inocentemente aos mais novos que o futebol já não é mais como nos idos de 2009.
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9/2/2009 - Commentário Sem Título
Postado por Juliana Seidl
Excelente forma de explicar as três dimensões do comprometimento, Diogo! Parabéns pelo blog. Abraços, Juliana Seidl (aluna do mestrado WOP-P 2008-2010 =).
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9/2/2009 - Kaka
Postado por Rafael
Olá Diogo!! Parabéns pela matéria, referente ao caso do Kaka. Acompanhei por cima a tentativa de transição, pois era um fato evidente nos jornais e páginas da web. No entanto, não tinha me dado conta de quantas coisas estevam agundo por trás e que o estopim era ir ou não para o novo clube. Sua matéria me fez refletir bastante. Abraço!!
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9/2/2009 - Commentário Sem Título
Postado por diogo
Obrigado pelos comentários. Fico feliz que o texto tenha gerado reflexões, Rafael. Abçs
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12/2/2009 - Commentário Sem Título
Postado por Joel
Beleza. Não muito tempo atrás, a Fiorentina foi rebaixada pelo critério técnico. Batistuta sua maior estrela e titular absoluto da seleção Argentina à epoca foi assediado por vários clubes do mundo e principalmente da Itália. O que ele disse? "Não aceito nenhum outro clube e vou dis****r a segundona com ela. Também sou responsável pela sua queda". Foi lá e um ano após a Fio voltava à primeira divisão. Lo hermano também tem dignidade. Deus ainda acredita nos homens ( acredito que não em todos). Joel
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1/3/2009 - commitment e retenção de talentos
Postado por Helena Martins
Di-Man, acho que uma questão importante em toda esta história não deixa de ser também a política de retenção de talentos... Há vários clubes (e empresas!) que apesar de todo o blá blá blá continuam a achar que gerir RH é dar dinheiro e ponto final. Fazem processos de head hunting onde gastam fortunas e depois esquecem-se de reter os seus talentos que até podem ficar presos por um tempo por um certo compromisso de continuidade, mas que aos poucos vão baixando a satisfação com o emprego (numa ou várias dimensões) e isso enfraquece, queiramos ou não, o compromisso afectivo e, em alguns casos o próprio compromisso normativo. Trabalhando em consultoria, o mais normal é ouvir o cliente (a empresa) a dizer o que espera dos funcionários com grande ênfase: motivação, amor à camisola, lealdade, empenho, iniciativa, etc... Mas nunca tem bem claro ou explícito o que é que está disposta a dar em troca, como se fosse obrigação do colaborador esta devoção "à chinesa", de querer viver para sempre na empresa, a troco daquilo que ao empregador lhe parecer mais justo... até à altura em que este acha que já não precisa daquela pessoa... Custa-me especialmente perceber uma certa tendência das empresas em obter o melhor talento, apenas para depois o tomar por garantido... Resta-me pensar que, como diziam o Meyer e a Allen num artigo "the problem with talented employees is that they have options" certo? O mundo está mesmo a mudar... E os contratos psicológicos e o compromisso organizacional também!
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21/3/2009 - Commentário Sem Título
Postado por Juliana
Galêgo, desculpa só agora voltar a ler o seu blog. O interessante é que não é um assunto que normalmente me interessa (futebol), mas você constrói o texto de uma forma que atrai o mais leigo dos leitores até o fim. E me fez refletir também, logo eu, que tanto mudei de empresas... rsrsrsrs. Parabéns! Beijos!
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Imagem do Executivo

Acabo de ler um artigo publicado no número mais recente da revista Psicologia: Organizações e Trabalho (rPOT). Aliás, a revista é, inegavelmente, um empreendimento de grande valor para os psicólogos e profissionais relacionados com a gestão de pessoas no Brasil. Vale a pena visitar o site cujo link aparecerá ao final do texto.

O referido artigo tocou-me um pouco mais do que os outros. Não por achar sua qualidade superior à dos demais, mas por abordar um ponto de especial interesse para mim e, acredito, muitos outros.

Os autores do estudo (Nascimento, Roazzi, Castellan e Rabelo) discutem questões relacionadas à imagem do executivo nos dias de hoje, e investigam um público bastante adequado para o efeito: estudantes de administração. Ou seja, potenciais executivos de amanhã.

No início do artigo eles descrevem a forma como o mundo contemporâneo atual, sobre o pano de fundo da globalização e da intensificação da competitividade, produz um repertório específico e limitado de significados, valores e comportamentos que delimita as formas com que o “ser executivo” pode se apresentar.

Eles descrevem vários estudos que, de uma forma geral, ilustram uma visão do executivo como alguém voltado pra tarefa e aos aspectos técnicos e objetivos da mesma em detrimento aos aspectos relacionais ou interpessoais do trabalho. Isso torna-se particularmente grave quando, mais à frente, constata-se que uma das visões mais comuns acerca do executivo é a de que sua função é realizar trabalhos por intermédio de outras pessoas. Ou seja, uma de suas principais funções é liderar.

Os autores do artigo ainda descrevem como o mundo corporativo e a media relacionada “prescreve” uma receita bastante limitada do que vem a ser um executivo. Uma análise aprofundada em outro estudo referido pelos autores mostra como revistas voltadas para os negócios (e.g. Você S.A.) veiculam não apenas que características são desejáveis nos executivos (e.g. formação acadêmica, atualização de conhecimentos, fluência em idiomas, etc.) ilustrando-as em matérias ou anúncios, mas também formas específicas de como devem se vestir e se comportar (e.g. discrição e seriedade).

Chamam a esse processo “objetificação do profissional executivo”, cuja essência constitui a retirada da individualdade do sujeito para produzir uma imagem que reflete única e exclusivamente as necessidades das empresas. Este processo está bem descrito na seguinte passagem do artigo:

“A difusão sistemática dessa imagem através de vários mecanismos discursivos pressiona-o para uma uniformização e padronização em resposta à demanda ideológica dominante no mundo organizacional para compor o perfil desse executivo bem sucedido, que impacta diretamente na corporeidade do indivíduo, tornando árduo o caminho daqueles que não se sentem enquadrados no padrão” (p. 100).

Para verificar empiricamente esse processo os autores propuseram uma pesquisa com potenciais executivos: estudantes de administração em diferentes momentos da formação (iniciantes, intermediários e concluintes). O “mote” do questionário era a seguinte pergunta: “Quais as características que um executivo precisa possuir para garantir seu sucesso profissional?”

O pressuposto contido na pergunta é o de que, à medida que os estudantes caminham para o mundo de trabalho (aumentando seu contato com consultores, com a media especializada, com intituições de trabalho, etc.), a imagem do executivo veiculada no mundo dos negócios será incorporada e tornar-se-á mais evidente em seus discursos.

O resultado do estudo é um tanto alarmante. As respostas foram categorizadas e a frequência com que cada categoria semântica emergia foi comparada tendo como referência os três grupos de estudantes (iniciantes, intermediários e concluintes).

Os estudantes iniciantes e intermediários referiram-se, com maior frequência que os concluintes, a características necessárias aos executivos categorizadas como Sociabilidade, que incluiam respostas como “espontaneidade”, “capacidade para cativar as pessoas”, etc.

Os iniciantes apresentaram ainda diferenças estatisticamente significativas em relação aos outros dois grupos no que diz respeito a frequência de respostas incluídas em duas outras categorias:

Relacionamento (que inclui respostas como “saber relacionar-se em grupos”, “manter relações sociais”) e
Ética (que inclui respostas como “ter postura ética”).

Em outras palavras, à medida que os estudantes caminham para o mercado de trabalho, a imagem que se tem do executivo sofre alterações no sentido de um privilégio aos aspectos técnicos em detrimento às características relacionadas com a sociabilidade, com o relacionamento interpessoal e até mesmo com os valores éticos.

Não está claro se essas características tornam-se completamente desnecessárias ou apenas ganham um plano secundário no alcance do sucesso da carreira executiva. Não se sabe tampouco se a própria formação do profissional apenas permite essa mudança ou mesmo reforça-a em conjunto com os estímulos mais óbvios do próprio mercado de trabalho, que passa a influenciar mais fortemente o estudante a caminho de sua graduação.

Enfim, o estudo retrata uma situação séria e produz uma série de questões que podem inspirar muitos outros estudos para eclarecer ainda mais a natureza desse processo. E se confirmarmos que de fato ele ocorre tal como foi descrito acredito que o tema mereceria uma atenção bem maior do que aquela que lhe foi dispensada até então.

Link para a rPOT
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/rpot/index

Um outro link interessante é para outro texto, a este relacionado.

http://www.baraodemaua.br/revista/v1n1/construcao_imagem.html

Razões práticas para agir de forma responsável

Poucos assuntos podem receber de forma mais justa o rótulo de “tema da moda” como a responsabilidade social e ambiental. O “agir de maneira sustentável”, “ser responsável social e ambientalmente”, “dar retorno à comunidade”, viraram chavões usados, às vezes, quase em par de igualdade com os já conhecidos “lucratividade”, “economia de escalas” “relação custo-benefício”, etc. O fato de ser responsável socialmente e/ou ambientalmente representa mais um aspecto corporativo a ser considerado nas avaliações do mercado. Programas de padronização semelhantes ao da qualidade são direcionados para o aspecto social (SA8000; ISO14000). O índice Dow Jones, por exemplo, recebeu em 1999 uma versão ancorada no conceito de sustentabilidade, que leva em conta as ações de responsabilidade social e ambiental das empresas.

Mas, convenhamos, essa conversa de elevar a responsabilidade corporativa ao mesmo nível de importância da lucratividade de fato procede e tem raízes genuínas? No âmbito do comportamento dos indivíduos em sociedade sabemos que, frequentemente, tentamos gerir a nossa imagem frente aos nossos interlocutores. Este é, aliás, um importante tópico na literatura organizacional: a gestão de impressões. Então, se sabemos que as empresas são PESSOAs, ainda que jurídicas, é natural que elas também tentem gerir da melhor forma a sua imagem. Brincadeiras à parte, não se trata de puro altruísmo.

Com a crescente visibilidade das empresas (devido à evolução das tecnologias da informação e da comunicação), estas buscam, cada vez mais, associar sua imagem a coisas valorizadas socialmente. A responsabilidade corporativa é, por acaso, uma dessas coisas.

Resolvi abordar o tema depois que li um livro chamado A Corporação, de Joel Bakan. Já havia, anteriormente, assistido ao documentário com base nesse livro. Não me alongarei muito na descrição do problema que este autor nos traz. Segundo ele, as empresas (e o foco dele é especificamente a corporação – empresa de capital aberto) são legalmente impedidas de ser responsáveis social ou ambientalmente. Milton Friedman, aquele do nobel da economia, vai além e diz que isso é, além de ilegal, moralmente incorreto.

Por que legalmente e moralmente? Aqui nossa visão depende do que chamamos de responsabilidade e do que consideramos ser a função social das empresas. Neste texto, considero responsabilidade social ou ambiental aquilo que vai além das obrigações legais da empresa (aquilo que vai além, por exemplo, dos termos de ajustamento de conduta ambiental). Projetos de educação para a saúde, ou investimento em cooperativas constituem ações de responsabilidade social (a responsabilidade social tem ainda uma dimensão interna da qual não trataremos diretamente, embora reconheçamos como importante). Projetos de revitalização de rios, preservação de áreas ambientais ou de espécies, que recebem apoio espontâneo da organização são ações de responsabilidade ambiental.

Então vamos por partes. A finalidade das corporações é, em última instância, maximizar os lucros de seus acionistas. A lei (falo do contexto anglo-saxôico em que o livro se baseia) surge porque, no passado, os acionistas não tinham muitos meios de proteger o retorno de seus investimentos. Muitos foram os casos nos séculos XVII e XVIII de investidores que perderam o dinheiro investido em corporações. As corporações chegaram a ser proibidas em função desses casos. Posteriormente os investidores tiveram garantia por lei de que a finalidade da empresa é, em última instância, a maximização de seus lucros. Programas de responsabilidade social ou ambiental não são a atividade-fim da empresa e constituem, até que se prove o contrário, despesas. Daí a ilegalidade afirmada acima.

A idéia de que a responsabilidade social ou ambiental é moralmente repreensível tem a ver com a perspectiva do liberal prêmio nobel, que acredita que uma empresa é responsável socialmente quando está realizando sua função: gerando lucros para seus proprietários. É a velha crença da mão invisível do mercado. Como referi acima, é a questão da perspectiva sobre as funções sociais das empresas.

Bom, neste sentido, programas de responsabilidade social ou ambiental só poderiam ser legalmente ou moralmente corretos se interpretados como meios estratégicos para alcançar os resultados comerciais para que a corporação foi formada.

Ou seja, aqui deveríamos exercitar um pouco de cinismo ao justificar, o que considero, boas-ações. Na impossibilidade de justificar os programas como fins em si mesmos, devemos então procurar outras alternativas.

Há algumas formas de mostrar que programas como esses geram resultados para a atividade fim da empresa. A forma mais óbvia é de demonstrar que a associação de marcas ou produtos a valores “em alta” na sociedade ajuda a promover a marca, a promover o que no marketing se denomina (brand equity – medida em que uma marca é associada a valores positivos). Isso resultará, amiúde, em mais vendas, mais dinheiro, mais lucro.

Assumamos então que os programas de responsabilidade social e ambiental constituem, nos dias de hoje, ferramentas fundamentais na construção da imagem corporativa. Isso é, pra mim, uma premissa fortemente alicerçada sobre evidências.

Uma outra forma diz respeito precisamente ao que sociólogos e psicólogos do trabalho têm estudado há muito tempo: a imagem da empresa tem impacto sobre as atitudes e comportamento individuais e grupais daqueles que nela trabalham. Isso é dizer, que, enquanto a justificativa anterior fala do efeito da imagem da empresa ou da marca no mercado (fora da empresa), esta diz respeito ao efeito da imagem nos trabalhadores (dentro da empresa). Justifico então.

Não gostamos de fazer parte de grupos sociais mal-vistos. Imaginamos que, por exemplo, nossa famílias representam os valores mais bonitos como a integridade, a honestidade, a bondade, etc. Identificamo-nos com os valores que os grupos sociais a que pertencemos defendem. Inversamente, somos atraídos para grupos que defendem os valores que defendemos. Gostamos de estar associados a bons grupos. Você nunca observou que quando seu time vence, é comum dizermos “ganhamos ontem”? Por outro lado, quando o time perde dizemos “perderam ontem”, e, dessa forma, nos desassociamos daquele resultado desprezível, da suposta falta de brio de nossa equipe. Isso é engraçado, ao mesmo tempo em que é comum.

Aqui vai então o primeiro fato: as pessoas, em geral, procuram trabalhar em empresas que são valorizadas socialmente e que elas próprias valorizam. Neste sentido, uma empresa com uma boa imagem tem a capacidade de atrair os melhores profissionais. Isso porque mais gente estará interessada em trabalhar para a mesma, o que dá uma boa margem para selecionar os melhores. A correlação é clara. Basta olharmos quais as empresas que estão na lista das favoritas dos universitários brasileiros e ver para quantos programas sociais e ambientais elas destinam recursos.

A velha teoria da dissonância cognitiva pode explicar parte do fenômeno: não suportamos trabalhar para quem tem outros valores e que, consequentemente, nos faz agir segundo esses valores. Somos sensíveis a tal discrepância e, caso não tenho outra alternativa, ficarei insatisfeito, agirei de alguma forma para mudar a situação, e reequilibrar-me “cognitivamente”. Se valorizo a natureza, será difícil, ou pelo menos incômodo, trabalhar para uma empresa que, através de suas ações, demonstra pouco interesse pela defesa do meio-ambiente.

Mas não é só a atração de talentos. Reter talentos é um outro desafio do mundo do trabalho contemporâneo. Os profissionais (não quero dizer a totalidade deles) cada vez mais centram-se sobre suas carreiras, usando organizações de forma instrumental para a consecução de seu objetivos profissionais. Enquanto os empregados que as empresas não querem reter – e terceirizam suas atividades – desejam manter uma relação duradoura com a mesma jurando lealdade, os profissionais que as empresas desejam manter estão, por vezes, interessados numa relação mais independente. Esse é o paradoxo que muitas empresas enfrentam hoje.

A imagem corporativa, seu prestígio externo, entra como fator importante também na retenção de talentos. Temos a necessidade de auto-estima, de sentirmo-nos bem com o que fazemos. Nada melhor que ter orgulho de dizer: “eu trabalho para a empresa TAL”. “NÓS (observe a lógica da identificação) defendemos o meio-ambiente, NÓS contribuimos para o desenvolvimento do país, etc.” Isto soa bem mais à satisfação que quando usamos a terceira pessoa.

Para não tornar a coisa enfadonha mas, ao mesmo tempo, dar exemplos concretos de evidências, recorro a apenas dois estudos recentes (dentre os inúmeros existentes) sobre a relação entre imagem organizacional e comprometimento/ identificação com a organização.

Bartels, De Jong e Joustra (2007) aplicaram questionários a 314 integrantes da força policial de seu país. Os questionários tinham escalas de medida da percepção que os mesmos tinham do prestígio da corporação e escalas que mediam o grau de identificação com a mesma. A correlação encontrada entre prestígio percebido e identificação organizacional foi de 0.55, considerada alta para os padrões das ciências sociais. Técnicas estatísticas ainda mais robustas confirmaram a hipótese relacional. Fuller e seus colegas (2006) investigaram o setor da saúde e encontraram resultados bastante semelhantes. Enfim, quanto melhor percebemos a imagem de nossa organização, mais nos identificamos com ela, mais nos comprometemos com ela.

O comprometimento é também, em parte, resultado da imagem organizacional e, tal como a identificação, está negativamente relacionado com turnover e absenteísmo. Ou seja, empregados comprometidos e identificados com sua empresa, faltam menos ao trabalho e desejam manter-se empregados na mesma. Ademais, está amplamente demonstrado que empregados comprometidos e identificados produzem melhor, estão mais satisfeitos com o trabalho, engajam-se em comportamentos de cidadania organizacional e uma infinidade de aspectos positivos.

Estes são os caminhos que, acredito, levam a adoção de programas de responsabilidade social e ambiental a resultados empresariais favoráveis, a lucros, enfim, àquilo que ajuda as empresas a cumrpir seu objetivo comercial. Na aparente ineficácia de um argumento moral em favor da responsabilidade corporativa, vale exercitar um pouco de cinismo para justificar de maneira apenas instrumental o que deveria ter seu valor reconhecido em si mesmo.


# O livro "A corporação" é facil de encontrar e o documentário está disponível no youtube, inclusive com a versão legendada. Aí vai o link da primeira parte.
http://www.youtube.com/watch?v=hj-5iFrVczQ

Um outro lado das metas no trabalho

O ato de definir metas tem sua importância reconhecida por todos já há um bom tempo. No âmbito pessoal, muitos hão de concordar que estabelecer para si mesmo um peso ideal a ser alcançado é mais eficaz no emagrecimento do que não fazê-lo. No trabalho, é comum termos que atingir metas relacionadas com nossa função: realizar um determinado número de consultas por dia, reduzir custos operacionais em 10%, atingir um determinado número de vendas, etc. Enfim, parece ser uma crença amplamente disseminada na sociedade a de que o estabelecimento de metas tem forte impacto sobre as nossas ações. Subjacente a esta crença está a visão de natureza humana segundo a qual somos seres prospectivos, orientados para o futuro e não apenas determinados pelo nosso passado.

As metas estão sob os holofotes há bastante tempo no mundo do trabalho e, consequentemente, na Psicologia Organizacional e do Trabalho. Taylor, aquele mesmo do “estudo dos tempos e dos movimentos”, já discutia a importância de metas para o desempenho dos trabalhadores. Mace também dedicou-se ao estudo do tema nos anos trinta. Contudo, especificamente para a psicologia do trabalho, é a partir da década de sessenta que os conhecimentos acerca do impacto das metas sobre o comportamento humano no trabalho alcançam uma maior sistematização. Neste período, aquilo que era um aglomerado de resultados, advindos de estudos isolados uns dos outros, passa a tomar forma de uma teoria.

A Teoria do Estabelecimento de Metas é, em geral, atribuída a Locke e Latham. Mas não se pode ignorar o fato de que o mérito destes autores foi, sobretudo, o de sintetizar resultados de estudos dispersos (incluindo os seus próprios) e torná-los um todo inteligível. Para não cometermos qualquer injustiça, podemos dizer também que a teoria enquadra-se numa perspectiva bem mais ampla acerca da motivação humana denominada abordagem dos processos de auto-regulação. Sob este rótulo, Kanfer e Bandura, por exemplo, deram grandes contribuições ao estudo dos efeitos das metas no comportamento.

Grosso modo, a Teoria do Estabelecimento de Metas supõe que grande parte do comportamento humano resulta de intenções e metas escolhidas pelos sujeitos. Assume também que o desempenho no trabalho é maior quando temos metas do que quando não as temos. Mas, de que forma isso acontece?

O raciocínio é relativamente simples: as metas direcionam os esforços do indivíduo, energizam suas ações, fomentam a persistência em tais ações e instiga o desenvolvimento de estratégias para resolução de tarefas. A motivação é influenciada por desafios tais como as metas altas – ou seja, metas de desempenho que apresentam relativa dificuldade – e metas específicas.
Aliás, essas são as duas evidências mais sólidas relativas à teoria:

a) objetivos ou metas específicas (ex. produzir dez peças em uma hora) resultam em maior desempenho do que metas vagas (ex. “faça o seu melhor”) e que
b) metas difíceis resultam em maior performance que metas consideradas fáceis.

Em outras palavras: mais vale estabelecer como meta perder um determinado número de quilos do que simplesmente dizer que quer emagrecer. E, além disso, mais vale tentar emagrecer 5kg do que 3kg.

É notável o prestígio deste corpo teórico. Mais de mil artigos na década de noventa trataram diretamente do tema. E esse prestígio não está apenas entre acadêmicos, mas também entre gestores. A teoria tem inspirado uma série de práticas gerenciais ao redor do mundo. A gestão por objetivos (Management By Objectives – MBO) é um exemplo de sistema de gestão forjado sobre o conhecimento acerca das metas. Entretanto, e como em tudo o que alcança este nível de prestígio, o lado perverso das metas não tardou em aparecer.

Há duas formas distintas de ver o lado perverso do estabelecimento de metas: a) uma que diz respeito ao uso errado que se faz das metas, por parte de gestores (o que, muitas vezes serve para justificar relações de trabalho desumanas e exploratórias) e b) outra que se refere aos efeitos colaterais próprios do estabelecimento de metas.

Como vimos em Herzberg, gestores têm uma tendência especial para filtrar de evidências empíricas aquilo que servem aos seus propósitos. Vêem determinados aspectos e ignoram outros e, não obstante, julgam suas ações como fiéis aplicações da teoria como um todo. Eis algumas das práticas que ilustram isso. É frenquente encontrarmos gestores que:
1. Ignoram o papel das aptidões e competências pessoais na consecução das metas (atribuindo metas que demandam uma qualificação superior àquela do empregado);
2. Ignoram a influência de fatores externos que dificultam ou mesmo inviabilizam a consecução das metas (mantendo uma meta de vendas fixa de um período a outro sem considerar a entrada de novos competidores ou as crises no setor em que o mesmo está inserido).
3. Muitas vezes embaçam a linha que separa o que é desafiador do que é impossível e, dessa forma, estabelecem metas absurdas para seus subordinados.
4. Apenas impõem as metas sem dar margem para negociação (embora a maior parte dos estudos não tenham encontrado diferenças entre os efeitos de metas impostas e de metas participadas sobre o desempenho, é possível que isto se deva a um aspecto cultural, já que a maior parte dos estudos foi realizada na América do Norte).
5. Ao mesmo tempo que estimulam a competição – quando, por exemplo vinculam promoções ao atingimento de metas – negligenciam a interdependência entre as tarefas dos empregados. Dessa forma geram um ambiente em que dificilmente haverá cooperação o que, por sua vez, levará à não-consecução das metas individuais.

Eu poderia listar ainda uma grande quantidade de distorções. Mas o essencial disto tudo é que estas formas selvagens de aplicação da teoria produzem precisamente o efeito contrário do que gestores inicialmente pretendem com programas de estabelecimento de metas. Aqui as metas passam a ser desmotivantes, estressantes, frustrantes, etc.

De qualquer forma, nesse caso não é a teoria em si que é afetada: afinal, os problemas supracitados são gerados pela deturpação das proposições teóricas de Locke e Latham.

Contudo, não podemos dizer o mesmo sobre o outro lado perverso do estabelecimento de metas. Este sim, constitui efeitos colaterais que a teoria não contempla mas que merece sua atenção. Um desses efeitos é muito simples: ao mesmo tempo que as metas estimulam o desempenho, estimulam também comportamentos anti-éticos. E aqui não cabe dizer que são as deturpações da teoria que o fazem. Não.
Num estudo recente (Schweitzer, Ordoñez & Douma, 2004), estudantes tinham que realizar uma tarefa de formação de palavras. Aos participantes de um grupo foi estabelecido uma meta para cada indivíduo. Em outro grupo os estudantes eram encorajados a “dar o seu melhor” na tarefa, sem uma meta específica. Por cada palavra formada a partir de um anagrama ganhava-se dinheiro. Aos sujeitos de ambos os grupos era dada a oportunidade de mentir sobre o número de palavras formadas.

Verificou-se que os indivíduos que não atingiram suas metas mais frequentemente mentiram que aqueles aos quais foi dito apenas pra “dar o seu melhor”. A probabilidade era maior ainda quando estes indivíduos deixaram de atingir suas metas por muito pouco. Esse é apenas um dos muitos estudos que tratam dos efeitos perversos das metas. Há outros que tratam, por exemplo, dos efeitos prejudiciais do comprometimento com uma meta inalcançável.

Podemos transpor os resultados deste experimento para nossa experiência de trabalho. Não julgo ser difícil lembrarmos de situações em que, para atingir suas metas, as pessoas fizeram de tudo. Tudo mesmo. Num mundo em que se valorizam chavões como a “proatividade”, a “competitividade”, a “orientação para o resultados”, não é surpresa ver que muitos pensam que os fins justificam os meios. E tal situação (parafraseando Camus) é apenas trágica se temos consciência da mesma. Muitos não têm. E orgulham-se disso. E assim o fazem porque são valorizados no seu meio justamente por isso.

Não sei, porém, se as metas geram comportamentos anti-éticos por si mesmas ou se, de fato, elas são apenas mais um instrumento de gestão que, inserido num contexto que favorece a o descaso com o outro e a relativização de valores na busca de resultados, terminará por levar a culpa sozinho.

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7/12/2008 - Excelente texto
Postado por Anônimo
Borba, excelente texto. bastante esclarecedor e bem fundamentado. Particularmente, penso q a meta é fundamental para alcançar os resultados. Agora, a meta deve ser possível de ser realizada numa relação entre o que eu tenho (capcidade intelectual, tempo etc.) e o que posso conseguir (resultado do investimento). outro ponto que considero importante, não é apenas a meta em si, mas como vc se organiza para alcançá-la. nesse sentido, atingir a meta sem planejamento adequado é difícil, especialmente as mais ambiciosas. colocar as metas e planejar as etapas (recursos, datas limites etc.) no papel/organograma é fundamental. visualizarmos literalmente as coisas, eu penso q é importante. sucesso na coluna e um abraço do compadre. Fábio.
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8/12/2008 - Commentário Sem Título
Postado por Anônimo
Meu amigo Fábio, Obrigado pelo comentário. Concordo com o que diz. Aproveito apenas para esclarecer algo que, ao reler o texto, imaginei que pudesse vir a causar algum mal-entendido. Resolvi me antecipar. Quando falo que os gestores filtram as informações sobre uma ou outra teoria para aplicá-la da forma que melhor servir aos seus interesses, não estou me referindo a um processo necessariamente consciente. Isso im****ria aos gestores uma "maldade" que, quero crer, não existe na maior parte das situações. A seleção das informações é um processo absolutamente corrente para nós todos. É, aliás, necessário que façamos isso diariamente em nome da nossa "saúde cognitiva". Portanto não se trata de ação deliberada. Até porque as distorções que fazem da teoria do estabelecimento de metas é que fazem com que estes não consigam bons resultados com seus subordinados. era isso grande abraço, Diogo
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8/12/2008 - Metas escravocatas
Postado por Anônimo
Diogo Parabéns pelo excelente artigo. Fizestes um ampla abordagem do assunto, sem no entanto aprofunda-lo. O que está correto. Dá-se apenas os motes. Senão o blog viraria uma "aula on line" , o que não é a meta do mesmo. Gostaria que emitisse sua opinião sobre o que chamo, conhecço na prática e ví, de metas escravocatas. Darei um exemplo que acontece com frequencia com a indústria de confecção de fundo de quintal e de "grandes grifes", aqui em mossoró, especificamente quando havia a fábrica da Guararapes, mas que serve para cortadores de castanha, empacotadores de sal etc. Uma costureira com 10 anos de profissão faz em média 300 colarihos de camisa/dia. Meta - dobrar todo dia durante todo o mês. Se falhar um dia no perído perde a comissão. Evolução - A costureira vai levar um mês para conseguir dobrar ( todas que passarem de 300 mais não alcarem as 600, fica para o dono da fábrica. Quando atinge as 600 terá que mante-las, como já foi dito. Qualquer acidente de percurso ( doença, morte de parente etc) que a faça perder um só dia de trabalho e não chegar à meta ( todos os dia utéis de trabalho) ela perde tudo. Nada mais a comentar desculpe se me alonguei. ISTO È UMA COISA REAL> não é lendia e nem fricção como diz Zé Lezin. Sei que é uma aborbadem mais trabalhista que científica, mas gostaria que falasse um pouco sobre o caso e sua implicações na ótica organizacional Joel Borba
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8/12/2008 - Metas Escravocratas
Postado por
Quando descreveu a situação no comentário sobre as metas escravocratas a primeira coisa que me veio a cabeça foi a inglaterra do século XIX. A situação das costureiras pode ser comparada, guardadas as devidas proporções, àquela dos trabalhadores da indústria inglesa no começo da revolução industrial. A sensação de absurdo é a mesma que temos ao ler a descrição e discussão exaustiva que Marx faz da evolução das leis fabris na europa do século XIX. Ou seja, aqui não se trata de distorções da teoria por parte dos gestores, apesar da semelhança com algumas daquelas listadas. No caso das costureiras o fato de que os gestores tenham recorrido às metas passa muito pouco pela noção de que as metas de desempenho possam ser estimulantes, motivantes. Trata-se, acho eu, de exploração no sentido mais claro do termo. Pouco interessa o bem-estar do trabalhador e nada se investe na promoção de uma relação saudável e significativa entre o trabalhador e seu trabalho. Pelo contrário. Portanto não caberia dizer que o gestor em questão estivesse interessado em gerir pessoas mas simplesmente em conseguir resultados a curto prazo. Agora, não sei de que época estamos falando, mas isso acontece ainda na China, no Brasil, em Honduras, e por aí vai. Muitas vezes em fábricas que produzem produtos para marcas de renome (se alguém pensou em Nike não fui eu quem disse..ehehehe). O que favorece ações deste tipo não são apenas culturais (na medida em que muitas populações as relações exploratórias ainda são tacitamente aceitas) mas principalmente econômicas: num contexto de desemprego estrutural a costureira lá pode ser vista como força de trabalho descartável. Se ela não concorda com as condições precárias que você descreveu, há muitas que o farão. As metas nesse contexto apenas integram um sistema de consequências absolutamente voltado para a punição.